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segunda-feira, 18 de novembro de 2013

Estudando a mente com Vilayanur Ramachandran

O que acontece no cérebro de um filho que acha que sua mãe é uma impostora? Por que existem membros fantasma e como livrar-nos deles quando são causa de dores lancinantes? Por que algumas pessoas veem a cor azul ao ouvir a nota Dó? 
Tudo explicado por um dos maiores neurocientistas da atualidade (legendas em português).




sábado, 9 de novembro de 2013

Fé causa depressão

Nada como uma manchete sensacionalista para despertar interesse. Que o diga a turma da revista Superinteressante, que estampou na capa da sua última edição a conclusiva afirmação “Fé faz bem”. Uma pena. Temos poucas revistas de divulgação científica. Seus editores deveriam ser mais cuidadosos e não transformar evidências fracas em verdades definitivas. 

Mas vamos direto ao assunto. Por que estou colocando em dúvida aqui a veracidade da manchete da revista? Ao final, ter fé contribui para nossa saúde mental e com isso, claro, nossa saúde física? O que a ciência pode dizer sobre isso?

Temos de fato alguns estudos que apontam que a prática religiosa contribui para o bem-estar psicológico. Este bem-estar parece melhorar inclusive alguns aspectos do nosso sistema imunológico. Mas ao analisar mais criteriosamente esses estudos observamos que quase todos foram realizados em Norte-América  utilizando indivíduos caucasianos de origem católica ou protestante. Assim, é muito difícil generalizar esses resultados aos diferentes contextos culturais. E se algo aprendemos nestes anos é que a cultura em que estamos inseridos é capaz de modificar nossas redes neurais, e com isso nosso comportamento, sentimentos, reações e emoções.

Outro aspecto importante é que os resultados positivos da religiosidade –que são estatisticamente apenas marginalmente significantes- parecem estar mais relacionadas com a realização de atividades em grupo que com a fé propriamente dita. Somos animais gregários e conviver em grupos nos faz muito bem. Os efeitos positivos da religiosidade são menos evidentes quando os indivíduos optam por uma prática espiritual individual e prescindem do contato com outras pessoas, contato que se obtêm, por exemplo, nas religiões institucionalizadas.

Estes aspectos não são sequer citados na reportagem da Superinteressante, embora já tenham sido levantados pela comunidade científica.

Estranhamente também, a revista não cita o estudo mais recente e amplo feito sobre o assunto. Nele foi analisada a relação entre as crenças religiosas ou espirituais e o aparecimento de episódios de depressão. Como esta é porta de entrada para várias outras disfunções psicológicas, se a prática religiosa ou a espiritualidade “fizessem bem” (como afirma a manchete da revista) o número de indivíduos com depressão seria menor entre pessoas de fé.

A diferença dos estudos anteriores, este incluiu um número relativamente grande de indivíduos (8318), de várias nacionalidades (Reino Unido, Espanha, Chile, Eslovênia, Estônia, Holanda e Portugal) em diversos contextos culturais e socioeconômicos.

Os autores dividiram os participantes em três grupos: 1) os que praticavam uma religiosidade institucionalizada (frequentando igrejas, templos, etc.,); 2) os que não seguiam nenhuma religião mas tinham crenças e experiências espirituais (por exemplo, eles acreditavam na existência de um poder ou força além deles mesmos, o qual poderia influenciar suas vidas); e finalmente o grupo 3, dos seculares, que não manifestavam crença em qualquer religião nem força sobrenatural capaz de influenciar suas vidas. Foi solicitado também aos membros dos grupos 1 e 2 que, de 1 a 6, dessem uma nota à intensidade da sua fé.

Os resultados como era de se esperar variaram bastante entre países, mas em média a maior frequência de episódios depressivos foi observada nos membros do grupo 2 (pessoas com fé mas sem religião específica). Neste grupo 10,5% apresentaram pelo menos um episódio de depressão ao ano, contra 10,3% do grupo 1 (pessoas religiosas que frequentavam igrejas), e os menos deprimidos foram os seculares, com apenas 7,0% tendo episódios depressivos. No Reino Unido estas diferenças foram mais significativas, com os membros do grupo 2 tendo uma frequência de crises depressivas três vezes maior que o grupo secular. A intensidade da fé também afetou, sendo que aqueles que tinham uma fé mais intensa apresentaram um risco de depressão que era o dobro em relação àqueles que tinham fé menos intensa.

Os autores concluem que estes resultados não sustentam a ideia que uma vida religiosa ou espiritual seja capaz de melhorar o bem-estar psicológico. Ainda, observaram que a crença religiosa não exercia nenhum efeito moderador no impacto que eventuais acontecimentos dramáticos em nossa vida poderiam ter em relação ao aparecimento ou não de episódios depressivos.

Será que estes resultados justificam a manchete que escolhi para este artigo? Não! Propositalmente forcei a barra. As diferenças estatísticas são muito pequenas (salvo no Reino Unido) e seria impossível que um único estudo elucidasse um aspecto tão complexo. A conclusão dos autores é um exemplo de cautela científica, os resultados apenas não validam a hipótese que religiosidade melhore nosso bem-estar psicológico, mas eles não concluem: fé causa depressão. É assim que se faz.

Mas por outro lado, quando vejo milhões de pessoas em nosso país sendo ludibriadas, acreditando em milagres comprados e deixando boa parte de seu pouco dinheiro para financiar o atraso que representa um estado regido por crenças religiosas, devo reconhecer que sim, fé causa depressão!



Fonte: Spiritual and religious beliefs as risk factors for the onset of major depression: an international cohort study. B. Leurent e cols., Psychological Medicine; 43:2109 – 2120; 2013.