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domingo, 26 de fevereiro de 2012

O homossexualismo sob a lupa da ciência

O homossexualismo A homossexualidade sob a lupa da ciência


O que faz alguém ser homossexual? É uma simples opção individual nascida do livre-arbítrio? É uma alteração patológica do comportamento? É algo que deve ser tratado, como se fosse uma disfunção hormonal? É o meio? São os genes? Independentemente da enorme dificuldade de encontrar uma resposta para essas perguntas - e da enorme facilidade que têm alguns em dar respostas apressadas -, o fato é que ser homossexual não é nada fácil. A perseguição e a intolerância têm sido o padrão geral de tratamento para essas pessoas. Assumir a homossexualidade ainda é um passaporte para a rejeição social e até familiar. Difícil saber onde ela nasceu. Nossas raízes religiosas não têm ajudado em nada. Frases bíblicas como “Com varão te não deitarás, como se fosse mulher: abominação é” ou “Quando também um homem se deitar com outro homem como com mulher, ambos fizeram abominação; certamente morrerão; o seu sangue é sobre eles”, provavelmente não devem contribuir para minorar esse clima de perseguição, mas provavelmente não justifiquem completamente a histórica situação de rejeição social e intolerância (1) . 

Desde o ponto de vista científico, nos últimos anos pesquisadores vêm tentando responder se existem ou não diferenças entre o cérebro de homossexuais e heterossexuais, que possam influenciar na preferência sexual. Esses estudos ganharam na última década ferramentas valiosas como a fMRI (ressonância magnética funcional) e a PET (tomografia de emissão positrônica), que permitem ver com clareza estruturas cerebrais, medir seu volume, e analisar como essas estruturas funcionam “ao vivo e a cores”.

Em um estudo publicado este mês, os cientistas Ivanka Savic e Per Lindström, do Instituto Karolinska, da Suécia, selecionaram 90 indivíduos de idade semelhante, sendo 25 homens heterossexuais, 20 homens homossexuais, 25 mulheres heterossexuais e 20 mulheres homossexuais, e os submeteram a uma série de análises utilizando fMRI e PET.

Os resultados mostraram que homens heterossexuais e mulheres homossexuais têm características cerebrais semelhantes, e a mesma coisa aconteceu entre mulheres heterossexuais e homens gays. Por exemplo, o hemisfério cerebral direito, que controla as capacidades espaciais e senso de orientação, é maior que o esquerdo nos homens heterossexuais e mulheres homossexuais, já entre mulheres heterossexuais e homens homossexuais os hemisférios direito e esquerdo têm o mesmo tamanho. Esse fato poderia explicar dados obtidos anteriormente, que mostravam que homens gays e mulheres heterossexuais apresentam, em média, um senso de direção inferior que o apresentado por homens heterossexuais.

Além do volume cerebral, os pesquisadores observaram que o funcionamento do corpo amigdalóide, uma estrutura cerebral que joga um papel fundamental nas respostas emocionais, é semelhante entre mulheres heterossexuais e homens homossexuais.


Imagens de ressonância magnética funcional do cérebro de homens heterossexuais (HeM), mulheres heterossexuais (HeW), homens homossexuais (HoM) e mulheres homossexuais (HoW). Observar as semelhanças do padrão de ativação do corpo amigdalóide, fundamentalmente entre HeM e HoW.


Esses resultados são importantes porque foram avaliados sistemas cerebrais não relacionados com o comportamento sexual. Em estudos anteriores, ao mostrar rostos atraentes os pesquisadores tinham observado que estruturas cerebrais relacionadas com o comportamento sexual reagiam de forma semelhante entre mulheres heterossexuais e homens homossexuais (respondiam a fotos de homens bonitos) e entre mulheres homossexuais e homens heterossexuais (respondiam a fotos de mulheres bonitas). Mas semelhanças entre estruturas cerebrais relacionadas com o comportamento sexual podem ser resultado da opção sexual e não causa dela. Assim, quando comparamos características neutras desde o ponto de vista sexual (tamanho do cérebro, funcionamento emocional ante estímulos não sexuais), fica difícil acreditar que essas diferenças sejam a consequência de ter assumido determinada preferência sexual. Mas para ter mais certeza sobre isso, o grupo da pesquisadora Savic está estudando agora assimetrias cerebrais em recém nascidos, na tentativa de ver se essas diferenças podem ser utilizadas para prever a orientação sexual futura.

De concreto, o que temos é que há sim diferenças entre o cérebro de homossexuais e heterossexuais do mesmo sexo. Essas diferenças podem ser tanto o fruto de alterações genéticas, como de fatores que agem em nossa vida intra-uterina. Nessa fase, alguns estudos mostram que uma maior ou menor exposição do feto aos hormônios sexuais circulantes no sangue pode ser responsável por essas mudanças. Essa característica biológica, associada ao meio, pode participar de forma importante na opção sexual, mas até que ponto é determinante, ainda é uma incógnita.

O mais intrigante é que quanto mais nos aprofundamos em entender o cérebro, cada vez mais a noção do livre-arbítrio fica comprometida. Embora perturbador, se essas suspeitas sobre o fundamental papel do cérebro sobre nossos comportamentos, crenças e decisões se confirmarem, justificarão ao menos uma visão mais tolerante e compreensiva sobre nossas atitudes, vaidades e fraquezas.

(1 Em tempo, de acordo com as pesquisas mais recentes, os ateus são ainda mais rejeitados que os homossexuais. 63% dos entrevistados, por exemplo, não votariam em um ateu “de jeito nenhum”. Parece não haver dúvida que este nível de rejeição só pode ser explicado devido à histórica intolerância religiosa. 


(2) O termo Homossexualismo usado neste artigo corresponde à definição do dicionário eletrônico Houaiss, versão 3.0:



Homossexualismo 
n substantivo masculino    
1 a prática de relação amorosa e/ou sexual entre indivíduos do mesmo sexo    
2 m.q. homossexualidade
Fontes: 
PET and MRI show differences in cerebral asymmetry and functional connectivity between homo- and heterosexual subjects. Ivanka Savic and Per Lindström; PNAS, junho 2008.
Kranz F, Ishai A (2006) Face perception is modulated by sexual preference. Curr Biol, 16:63–68.
Ponseti J, et al. (2007) Homosexual women have less grey matter in perirhinal cortex
than heterosexual women. PLoS ONE 2:e762.

(Artigo originalmente publicado no jornal Folha da Região, Araçatuba, SP, em 21/06/2008)




sábado, 18 de fevereiro de 2012

A lenda de Athot, a gravidade e o criacionismo

História 1
Todo dia, pontualmente às 16:00, milhões de mongóis se ajoelham sobre seus tapetes sagrados e olhando em direção ao centro da Terra oram para Athot, a deusa de todas as coisas, da pureza e da perfeição. O reino de Athot (Khann) é separado do mundo impuro (Govi-Altay, tudo o que existe na superfície, no mar e no céu) pelo escudo de Athiai, o Guerreiro (para os mongóis, o escudo de Athiai representa a crosta terrestre). No interior do planeta, Athot vive com os seres encantados, ou afians, todos nascidos da mente de Athot. Contam os livros sagrados que um dos afians, Dundgovi, seduzido pela beleza de Athot tentou tocar os cabelos dourados da deusa. Como castigo, seu corpo foi despedaçado e seus restos jogados no mundo impuro. Os fragmentos de Dundgovi entraram então em cada objeto existente em Govi-Altay, em cada folha, cada pedra, cada lança, cada criatura viva, cada objeto inanimado, natural ou construído pelo homem. Tudo o que podemos ver na superfície da Terra, nos mares e no céu tem em seu âmago algo do espírito de Dundgovi. Mas Dundgovi, arrependido, não quer ficar no mundo impuro da superfície. Cada fragmento do seu espírito quer retornar ao centro da Terra, se desculpar com Athot e pedir que seu corpo volte a ser uno. É por isso que todos os objetos tendem a cair, porque os fragmentos de Dundgovi os empurram em direção a Khann. 


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História 2
A gravidade é uma das quatro forças fundamentais da natureza. Por causa dela objetos com massa exercem atração uns sobre os outros. Classicamente, é descrita pela lei da gravitação universal de Newton. De acordo com Newton, todos os objetos no Universo atraem todos os outros objetos com uma força que é proporcional ao produto das suas massas e inversamente proporcional ao quadrado da distância que os separa. 


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As histórias 1 e 2 explicam, cada uma a sua maneira, por que as coisas caem. Na história 1 o fazem porque fragmentos do espírito de um deus as empurram em direção ao centro da Terra. A história é completamente falsa, claro. Foi inventada por mim. Não existe nenhuma divindade mongol chamada Athot, ou Dundgovi. Mongóis não rezam, suponho, para nenhum deus às quatro da tarde. Tudo foi fruto de 15 minutos de invenção literária.

Já a história 2, extraída da Wikipédia, embora também tenha saído da cabeça de alguém, surge de um trabalhoso processo de observação, análise e experimentação. Por séculos a humanidade tentou explicar por que os objetos caem, por que os planetas e satélites naturais como a lua não se afastam da Terra. Explicações místicas nunca faltaram. Se eu consegui inventar a deusa Athot e seu séquito em 15 minutos, imaginemos o que poderia ser feito com mais tempo, sem TV, e sem muita coisa para fazer.

Felizmente alguns decidiram duvidar de histórias como a minha e testar se essas explicações eram fruto apenas da imaginação ou estavam amparadas por evidências. Se a teoria não podia ser testada (é impossível criar um experimento que negue a existência de qualquer deus, seja este Athot, Zeus ou Jeová), era deixada de lado. Se os experimentos comprovassem que a teoria estava errada, era jogada no lixo. A teoria que sobrevivesse a todos os ataques persistiria. Esse tipo de pensamento originou o método científico. Não precisamos acreditar na teoria gravitacional científica porque Newton era um gênio (embora ele fosse mesmo). Acreditamos porque ela funciona.

Da mesma forma que a gravidade, a origem das espécies – incluindo a origem do homem-, possui explicações místicas e uma explicação científica. As primeiras nascem das dezenas de lendas cosmogônicas que cada religião ao longo da história do homem foi criando, suspeito que de uma forma não muito diferente ao processo mental que me levou a criar a história de Athot. A explicação científica - a teoria da evolução – foi fruto das observações de Darwin e Wallace, testada e aprimorada ao longo de 150 anos de muita pesquisa e trabalho árduo de milhares de cientistas.

Mesmo que a teoria de Athot não fosse minha, mesmo que ela fizesse parte dos mitos de criação de alguma religião, quero acreditar que nenhuma pessoa sensata daria a ela a mesma validade que a teoria gravitacional newtoniana. Salvo em algumas teocracias fieis a Athot, a explicação religiosa para a queda dos objetos jamais competiria com a explicação científica.

Mas ao contrário da gravidade, muitos querem que a explicação mística sobre a origem das espécies tenha a mesma relevância que a explicação científica, e oferecê-la como alternativa em nosso sistema de ensino. 


"O Plano de Deus Para os Ambientes", figura extraída da coleção "Crescer em Sabedoria", apostila elaborada pela Associação Internacional das Escolas Cristãs e usada nos três primeiros anos do ensino fundamental 1 em algumas escolas confessionais do país. 
Claro, muitos dirão, estou comparando uma teoria maluca inventada por mim em alguns minutos de ócio com o Gênesis bíblico. Respeito a crítica, mas discordo. Ensinar a alunos já tão pobremente preparados para enfrentar a Sociedade do Conhecimento que a Terra tem 10.000 anos e não bilhões, que dinossauros e humanos conviveram, que um deus lá no céu em seis dias criou tudo o que existe, que Noé teve seu primeiro filho com 500 anos e morreu com 950, não me parece muito mais sensato que o desejado retorno de Dundgovi ao fantástico reino de Khann.

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

A dor e a Santa

Monge caminhando sobre o fogo na cerimônia
 xintoísta Hiwatari Matsuri, no Japão. 
Em um estudo publicado na revista científica Pain, pesquisadores da Universidade de Oxford verificaram que indivíduos católicos sentiam menos dor -ante um choque elétrico experimental- quando lhes era apresentada previamente uma imagem da Virgem Maria.

Até aí, o estudo não representaria muita novidade. Mais de uma vez assistimos devotos em transe religioso caminhar sobre brasas sem aparentemente sentir dor. A ciência já descobriu também que em situações de estresse agudo, como durante uma briga ou acidente, nosso cérebro é capaz de liberar no organismo substâncias químicas com grande capacidade analgésica, por isso denominadas endorfinas (morfinas internas). Mas até agora não existiam pistas concretas que explicassem por que, um sistema de crenças como a religião seria capaz de modular ou mesmo inibir a percepção de dor.

A particularidade do trabalho, liderado pela pesquisadora Katja Wiech, foi que pela primeira vez foi registrada a atividade cerebral dos voluntários do experimento.

No estudo, eram aplicados pequenos choques elétricos na mão de 12 indivíduos católicos praticantes e 12 ateus ou agnósticos enquanto se registrava sua atividade cerebral através de equipamento de ressonância magnética funcional (fMRI). Como era de se esperar, ante o choque elétrico áreas cerebrais relacionadas com o processamento da dor ficavam com maior atividade nos 24 voluntários.

Depois eram apresentadas imagens ora do rosto da Virgem Maria, ora de um rosto semelhante, mas sem conotação religiosa (ver fotos) imediatamente antes e durante o choque. Ante a imagem não religiosa, os resultados não se alteravam. 


Imagens apresentadas aos voluntários do estudo. À esquerda, imagem da Virgem Maria extraída da obra "Vergine annunciate" de Sassoferrato, e à direita a imagem não religiosa "Dama con l'ermellino" de Leonardo da Vinci.

 Todos os voluntários referiam o mesmo nível de dor e as áreas cerebrais ativadas eram as mesmas. Já quando era mostrada a imagem da Virgem Maria, enquanto o grupo de ateus/agnósticos não apresentava alterações, o grupo formado por católicos descreveu um nível de dor menos intenso e apresentou ativação cerebral diferente.

Neste grupo de voluntários, áreas do córtex pré-frontal ventrolateral direito ficaram também ativadas. 
Estas áreas cerebrais estão relacionadas com processos onde devemos alterar o significado emocional de objetos ou ações. Por exemplo, quando experimentamos uma fruta de gosto desagradável, depois de um tempo associamos a imagem da fruta a aspectos negativos. Só de ver a fruta novamente chegamos a sentir certa repugnância. 

Mas se posteriormente comemos a fruta e verificamos que o gosto mudou e desta vez nos agrada (talvez a anterior estivesse estragada ou verde), somos capazes de alterar nosso ponto de vista e agora a imagem da fruta não provoca repugnância e sim apetite. Pacientes com lesão no córtex pré-frontal ventral, além de outras alterações comportamentais, não conseguem fazer essa mudança e continuam persistindo em condutas que não são mais as corretas ou úteis para resolver determinada situação.

Para os autores do estudo, a ativação desta área cerebral em indivíduos religiosos poderia iniciar uma série de eventos que, como durante as situações de estresse agudo, levaria a uma liberação massiva de endorfinas e com isso a uma diminuição na percepção da dor.

Mas a hipótese na qual eles mais apostam -e que não exclui a anterior- é que nos indivíduos religiosos (pelo menos em alguns) a prévia visualização da imagem levaria a uma reavaliação do valor emocional da experiência dolorosa.

Em outras palavras, como conseqüência de um profundo estado de devoção induzido pela imagem da Virgem Maria, a dor dos católicos não estaria mais associada ao sofrimento e passaria assim a ser perfeitamente suportável e, em casos extremos, apreciada como uma benção. Estudo anterior já demonstrara que a região ventrolateral do córtex pré-frontal direito parece ser uma região fundamental na analgesia provocada pelo efeito placebo.

À direita, região ventrolateral do córtex pré-frontal direito ativada como consequência do efeito placebo.
 Esta região é a mesma que apresentou maior atividade no fenômeno de analgesia "religiosa".

 Claro está que muita pesquisa será ainda necessária para reforçar essa hipótese, mas caso seja válida estaremos dando um grande passo para compreender a base biológica por trás da aparente insensibilidade à dor durante algumas experiências religiosas.

Isto poderia permitir que o mesmo processo biológico desencadeado pela fé pudesse ser desencadeado tanto por fármacos que viessem a ativar essas áreas cerebrais, como através de terapias psicológicas baseadas na indução de estados mentais semelhantes a aqueles produzidos pela religião, só que em indivíduos sem esse tipo de crenças.

Fontes: 
An fMRI study measuring analgesia enhanced by religion as a belief system. Katja Wiech e cols., Pain (2008), doi:10.1016/ j.pain.2008.07.030
The neural correlates of placebo effects: A disruption account. Lieberman, M. D. e cols. NeuroImage, 22, 447-455.(2004).