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domingo, 7 de setembro de 2014

Usamos apenas 10% do cérebro?

Em Lucy, o último filme de Luc Besson, a bela Scarlett Johansson “ingere” uma dose enorme de uma droga que supostamente teria a capacidade de potencializar suas capacidades cerebrais. O filme todo gira ao redor dessa ideia: usamos apenas 10% do nosso cérebro. Imagina se usássemos 50 ou 100%!!!!

Ideia errada claro, como cientistas têm reiteradamente demostrado. Pessoas normais utilizam os 100%. Mas vamos entender por que esse mito dos 10% não faz sentido.

Neste momento estou sentado na frente do meu computador. Minhas pernas estão em repouso, com isso as áreas encefálicas responsáveis por seus movimentos estão com um baixo nível de atividade. Minha sala está em silêncio, assim, as áreas cerebrais responsáveis pelo processamento da informação auditiva também estão com pouca atividade. O mesmo se aplica às áreas responsáveis pelo olfato e gosto (nada muito especial para cheirar ou saborear) e tantas outras. 

Se fizesse agora um exame de imagem como a ressonância magnética funcional (fMRI) essas áreas do meu cérebro apareceriam de uma cor próxima do azul (ou dependendo da calibração do aparelho, sem cor nenhuma). Já as áreas cerebrais que controlam os dedos (com os quais estou digitando), as que processam a informação visual (estou lendo na tela do computador) e as responsáveis pelo raciocínio necessário para produzir este texto estariam com elevado nível de atividade (o que produziria na fMRI uma cor amarela ou vermelha). Caso agora me levante e vá preparar uma comida o padrão de atividade cerebral mudaria e as áreas relacionadas com a complexa tarefa de cozinhar iriam passando do azul para o vermelho.


Análise de imagem de fMRI. À direita, cores de azul a vermelho indicam
 os diferentes níveis de atividade cerebral decorrentes de tarefas ou situações específicas.


Que fique claro, usamos 100% do cérebro, só que não utilizamos todas as áreas cerebrais ao mesmo tempo. Seria um desperdiço de energia. Não há área do cérebro que não seja necessária ou que nunca funcione. Apenas são ativadas de forma seletiva. Embora nosso encéfalo represente apenas 2% do peso corporal, ele consome 20% do oxigênio que respiramos e 25% da glucose que ingerimos. Um órgão tão gastador e usar apenas 10%? Não faria sentido, claro.

Mas e aí, haveria alguma capacidade especial escondida em nosso cérebro que poderia ser potencializada ou exteriorizada de alguma forma? Aparentemente a resposta é sim, mas o bizarro é que, ao que parece, isso poderia ser obtido não aumentando a capacidade de funcionamento cerebral, e sim diminuindo-a.

O fenômeno é conhecido como savantismo, uma síndrome onde o indivíduo demostra habilidades fora do comum para algumas atividades matemáticas ou artísticas aliadas a deficiências mentais geralmente associadas ao espectro autista. Exemplos dessa síndrome são bastante conhecidos. 
O savantismo pode ser congênito e as habilidades aparecem durante a infância de forma bastante repentina, associadas com déficits cognitivos importantes. Mas em anos recentes foram descritos casos de adultos normais que após lesão cerebral, seja devido a alguns tipos de demência, acidentes vasculares ou traumas, desenvolveram a partir do evento espetaculares dotes artísticos (pintura, escultura, música) ou matemáticos, áreas nas quais nunca tinham demonstrado interesse ou qualquer capacidade especial. Este tipo de savantismo pós-lesão foi denominado pelos especialistas como “adquirido” (para diferenciá-lo do congênito) e as vítimas desta síndrome “gênios acidentais”.

O curioso é que o aparecimento destas habilidades se dá geralmente após lesão no hemisfério cerebral esquerdo, em áreas que trabalham inibindo estímulos e respostas inadequadas. A lesão removeria esta inibição modificando e ampliando a percepção sensorial e levando a um maior interesse e habilidades artísticas. Assim, a perda de uma habilidade (inibitória neste caso) levaria ao surgimento de outras.

Os casos e teorias sobre o savantismo são tão interessantes que merecem que voltemos ao assunto noutra oportunidade. Por enquanto que fique a dica, se alguém vier lhe oferecer alguma medicação, exercício, software, livro, terapia holística, etc., que prometa tirar você desses míseros 10% de capacidade mental, fuja, é picaretagem.