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sábado, 15 de março de 2014

A onda antivacina

Adivinhe qual destas duas crianças não foi vacinada? 
Imagem extraída do vídeo do Prof. 
Gareth Williamssobre a (longa) história do
 movimento antivacina (ver aqui).
Em 1998, a revista científica The Lancet publicou um artigo (fraudulento) onde o autor principal, o médico e pesquisador Andrew Wakefield afirmava que a vacina tríplice (contra os vírus do sarampo, rubéola e caxumba) estava associada ao aparecimento de doenças intestinais (enterocolite) e, ainda mais grave, autismo. Entrevistas dadas pelo pesquisador posteriormente reforçaram os dados do artigo, afirmando que os pais estariam expondo seus filhos a sérios riscos caso administrassem essa vacina obrigatória. As repercussões foram obviamente enormes.

Com a polêmica e o pânico se espalhando, pais deixaram de vacinar seus filhos tanto no Reino Unido como nos Estados Unidos e outros países, incentivados também por personalidades da mídia que embarcaram na história mentirosa de Wakefield. Como resultado, o número de casos de sarampo na Inglaterra pulou de 56 em 1998 para 1.400 em 2008.

Nos dez anos que se seguiram à publicação do artigo de Wakefield, diversos estudos falharam em encontrar qualquer relação entre a vacina tríplice e o autismo. Investigações independentes realizadas por jornais como Sunday Times revelaram que Wakefield tinha diversos conflitos de interesse não declarados (tinha até patenteado uma vacina alternativa antes de publicar seu artigo), manipulado os resultados do seu estudo e quebrado diversos códigos de ética médica. The Lancet publicou um artigo se retratando em 2004 e outro em 2010, reconhecendo que a publicação de Wakefield tinha sido fraudulenta e retirando-a definitivamente da sua base de dados. Após uma investigação paralela, o Conselho de Medicina do Reino Unido declarou Wakefield culpado por má conduta e em 2010 cancelou seu registro impedindo-o de exercer a medicina.



Surtos de sarampo (roxo), coqueluxe (verde) e rubéola (azul) nos últimos cinco anos.
Nos países em desenvolvimento, a alta incidência está relacionada com a falta de campanhas

 adequadas de vacinação. Já na Europa e nos EUA, o aumento nos casos é recente e em parte
 devido ao movimento antivacinação (ver o mapa interativo aqui).

Vacinas têm alguns aspectos negativos. Elas não conferem 100% de imunidade, ficando, dependendo da vacina, em torno de 80 a 90%, o que significa que mesmo vacinadas algumas pessoas podem desenvolver a doença. Também em alguns casos vacinas podem provocar danos colaterais que geralmente são leves, mas em alguns casos podem ser graves. Tudo isto já é sabido e não representa nenhuma novidade. Mas o realmente importante é analisar o custo benefício da vacinação. Mesmo com os dados contrários citados acima, a opção de não vacinar é absurdamente pior que vacinar.

Não tenho dados exatos do Brasil, mas os seguintes podem nos dar uma ideia. Em 1958, antes da introdução da vacinação obrigatória, os Estados Unidos registraram 763.094 casos de sarampo (população total aproximada 179 milhões), com 552 mortes. Com a introdução da vacina, o número caiu para menos de 150 casos registrados por ano desde 1997 (população total aproximada 280 milhões). Isso, 763.094 contra menos de 150.

Desconfiar não deixa de ser uma atitude salutar, mas o curioso neste caso é que pessoas que desconfiam dos “reais interesses por trás das campanhas de vacinação”, como muitas das que apoiam as campanhas antivacina, não demostram nenhum ceticismo ao adotar terapias alternativas que, estas sim, possuem pouquíssima ou nenhuma validação científica, como a homeopatia e outras tantas curas “naturais”, energéticas, ou coisas parecidas.

Quem não vacina seu filho deve saber também que, além do dano potencial que provocará nele, será responsável pela maior circulação do vírus nas escolas, nos ônibus, nas ruas. Assim crianças não vacinadas ou com uma imunidade deficiente por causa de doença ou problemas nutricionais poderão sofrer as consequências. Como li por aí, o filho da madame quem sabe tenha uma maior resistência para enfrentar os vírus. O filho da sua empregada possivelmente não.

Aproveito para dar minha opinião na “polêmica” sobra a vacina quadrivalente contra o vírus HPV, que previne o surgimento de câncer de colo de útero. Considerando tudo o que foi dito acima em relação aos prós e contras das vacinas, minha opinião é a mesma que a do infectologista da Unesp de Botucatu Alexandre Naime Barbosa, trata-se de “uma das mais importantes medidas de saúde pública deste início de milênio”.