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sábado, 9 de agosto de 2014

Nosso insustentável boi gordo

De acordo com um relatório da FAO (Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura), até 2050 teremos que aumentar 70% a produção de alimentos, para uma população humana que passará dos atuais 6,8 bilhões para 9,1 bilhões aproximadamente. Um desafio assustador.

Não apenas teremos que produzir mais alimentos mas também resolver como distribuir essa comida de forma a diminuir a desnutrição que castiga regiões específicas do planeta.

Mas sem dúvida o desafio maior será fazer isso sem destruir o meio ambiente além do que já o fizemos. Nosso planeta suporta produzir comida para 9,1 bilhões de humanos? Teremos terra e água suficientes para dar conta desse crescimento? Será possível aumentar a área de cultivo sem invadir as florestas e sem ameaçar os atuais ecossistemas? De que forma esse aumento na cadeia de produção afetará a geração dos gases responsáveis pelo efeito estufa (GEE)? Como o aquecimento global poderá afetar todo este planejamento?

Sou um pouco pessimista. Se falar sobre crescimento sustentável soa sempre bem temos visto poucas ações reais, efetivas e de impacto nessa área. Os interesses econômicos sempre falam mais alto. É bem provável que por causa desta omissão tenhamos entrado num desses períodos dramáticos da história do planeta que os especialistas denominam “extinção em massa”, quando se observa uma diminuição acentuada do número de espécies. Extinções em massa merecem um artigo à parte, mas aqui precisamos mencionar apenas que esta seria a sexta que nosso planeta enfrenta. Se as cinco anteriores foram causadas por eventos decorrentes da própria geologia (períodos de aquecimento e esfriamento global, movimentação das placas tectônicas provocando terremotos violentos e vulcões) ou agentes externos (como o meteorito que provavelmente contribuiu para o desaparecimento dos dinossauros 70 milhões de anos atrás), a atual tem origem na ação do homem.

Não era, obviamente, para sermos tantos. Uma consequência evolutiva de nossa avantajada inteligência é a capacidade de sobreviver nos mais diversos ambientes e fazer que nossos filhos sobrevivam. Nesse processo fomos arrasando tudo. Destruindo habitats, introduzindo por interesse comercial ou de sobrevivência espécies alienígenas que provocaram a extinção de espécies nativas (plantas e animais), poluindo, levando caça e pesca além do limite tolerável. E ainda não permitindo que microrganismos como vírus e bactérias, nossos reais predadores, fizessem sua parte. Sim, a impressão que dá é que quase tudo o que foi bom para nós foi um desastre para o resto do planeta.

Neste cenário pensar em aumentar 70% a produção de alimentos soa temerário, mas não poderemos fugir do desafio.

Para os especialistas, a palavra de ordem é eficiência produtiva. Maximizar cultivos e criações animais de forma a obter a maior quantidade de calorias com o menor custo ambiental. Séculos atrás a humanidade apostou no rebanho bovino como principal matriz proteica, mas parece que nem de longe essa foi a melhor aposta, e um estudo que acaba de ser publicado na prestigiosa revista Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS) confirma este fato (o artigo na íntegra aqui).

No estudo – que usou como referência apenas os Estados Unidos – os autores compararam o custo ambiental para cada caloria consumida derivada da produção de leite, aves, suínos, bovinos e ovos. Este custo ambiental levou em consideração a superfície de terra e água utilizada, a liberação de GEE, e a liberação de nitrogênio reativo, fundamentalmente utilizado como fertilizante, o qual quando liberado na biosfera causa poluição e também contribui para o efeito estufa, ameaçando assim a biodiversidade.

Os números fazem pensar. A produção de carne bovina necessária para produzir 1000 quilocalorias requer um uso de terra 28 vezes maior, um consumo 11 vezes maior de água, libera cinco vezes mais GEE e cinco vezes mais nitrogênio reativo que a mesma quantidade de calorias produzidas por qualquer uma das outras fontes alimentares analisadas. Um desastre em termos de eficiência.

Provavelmente este estudo será contestado e validado -ou não- por outros. A boa ciência exige isso mesmo. Se os resultados estiverem corretos e forem aplicáveis ao resto do planeta, persistir na carne bovina como matriz proteica com estes baixíssimos níveis de eficiência será insustentável a médio e longo prazo. Seremos capazes de contrariar tantos interesses econômicos e enfrentar uma mudança de rumo? A história tem nos mostrado que isto é bem difícil. Mas, como bem comentam os autores do estudo, a palavra final mais cedo ou mais tarde caberá ao consumidor. Em algum momento teremos que incluir na lista do supermercado o impacto ambiental de nossas opções de consumo. Não sei se teremos muito mais tempo para fechar os olhos.

Fonte: Land, irrigation water, greenhouse gas, and reactive nitrogen burdens of meat, eggs, and dairy production in the United States. Eshel, G e cols., PNAS, www.pnas.org/cgi/doi/10.1073/pnas.1402183111