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sábado, 11 de julho de 2015

Cérebro e maioridade penal


Na figura, imagens de ressonância magnética de um mesmo
 indivíduo realizadas aos 5, 8, 12, 16 e 20 anos. O nível de maturidade 
do córtex cerebral é expresso na escala de cores, do amarelo 
(menos maduro), ao violeta (mais maduro). Observar que o córtex pré-frontal 
(à esquerda no cérebro) é o último a madurecer. 
(Extraído de CRIME, CULPABILITY,  AND THE ADOLESCENT 
BRAIN, Beckman, M. Science 30 July 2004: Vol. 305)
Em meio a esse tiroteio todo sobre a maioridade penal, vez ou outra surge o argumento neurológico. Jovens não poderiam ser penalizados da mesma forma que adultos porque seus cérebros não estariam prontos para tomar as decisões corretas e suprimir os impulsos agressivos. Se a justiça já trata indivíduos com deficiências cognitivas de forma diferente (utilizando argumentos neurocientíficos) deveria fazer a mesma coisa com jovens. Quanto de verdade há nisso e quanto de mito?

A discussão não é nova, mesmo na neurociência, mas existem algumas evidências importantes que nos dão boas pistas. 

Hoje sabemos que algumas regiões do cérebro são parcialmente responsáveis por algo que os neurocientistas denominam “processo de tomada de decisão”, processo este que envolve a análise de risco e dano potencial. É essa capacidade cognitiva que nos permite avaliar antecipadamente as consequências das nossas eventuais ações. Algo assim como “se faço isto vai acontecer aquilo, e se acontecer aquilo então pode acontecer isso ou isto; agora, se faço isto outro pode acontecer isto ou isto...” e por aí vai. Como um bom jogador de xadrez o cérebro maduro permite antecipar alguns lances, o que depende muito da nossa inteligência e das nossas experiências de vida, das quais -muitas vezes de forma inconsciente- o cérebro lança mão para que sintamos antecipadamente o que sentiríamos se o pior acontecesse em virtude de uma decisão errada ou precipitada. Ou seja, antes de fazer sentimos como se tivéssemos já feito.

Cientistas já descobriram que a área cerebral mais diretamente envolvida em tudo isso é o córtex pré-frontal (CPf), uma região muito desenvolvida nos humanos localizada na parte mais anterior do cérebro. Esse conhecimento surge tanto de experimentos em animais como no estudo clínico e comportamental de humanos com lesões no CPf. Alguns pacientes com lesão nessa área têm poucas alterações comportamentais evidentes fora a incapacidade de processar normalmente informação com fundo emocional. Ao que parece se as emoções que uma situação provoca não são bem avaliadas pelo cérebro, a capacidade de tomar a melhor decisão diminui drasticamente. Resumindo, a decisão racional é guiada pela avaliação emocional da consequência de um ato (ver aqui e aqui casos clínicos de pacientes com lesão no CPf).

Paralelamente vários estudos confirmam que essa região, o CPf, é uma das últimas do cérebro a ficar pronta. Os processos de ajuste no número de neurônios, na forma como os neurônios estabelecem suas conexões para formar redes neurais (o que depende e muito do ambiente onde o jovem está inserido), e até o importante processo de mielinização (a formação de uma camada lipídica que envolve os prolongamentos neuronais e que aumenta a velocidade de comunicação entre essas células), terminam em idades que, dependendo do estudo, variam entre os 18 a 25 anos.

Mas na prática, isso resultaria no quê? Em que aos 16 anos pular de cabeça nas águas desconhecidas de um rio, experimentar cocaína ou pegar uma carona com um amigo bêbado podem ser decisões aceitáveis. O benefício imediato não seria suficientemente avaliado em relação ao dano potencial. Da mesma forma, ante uma ofensa a agressão física poderia ser a resposta imediata. E claro, se o jovem com esse cérebro em plena remodelação convive num ambiente onde o crime e a violência fazem parte do seu dia a dia, o cérebro resultante será condicionado por esse ambiente.

Mas de certa forma todos suspeitamos que isso é assim mesmo. Se aceitamos que um jovem não tem maturidade para participar de um júri, comprar ou consumir bebidas alcoólicas, casar sem autorização dos pais, assinar contratos ou até entrar no cinema, é porque aceitamos que sua capacidade de discernimento não é a mesma que a de um adulto.

Tudo isto, claro, não justifica de forma alguma que jovens delinquentes sejam “perdoados” porque não sabem o que fazem ou algo do gênero. Isso seria absurdo. Sociedades têm o direito e o dever de defender os indivíduos daqueles que apresentam comportamentos que ameaçam a vida e a segurança dos outros. A discussão é o que fazer com o jovem infrator. A experiência internacional mostra que uma parcela desses jovens –não todos- pode ser recuperada para o convívio social se utilizados os mecanismos educacionais adequados.

A solução que estamos adotando aqui no Brasil parece ser a menos inteligente. O menor infrator será colocado num dos piores sistemas prisionais, em companhia de adultos delinquentes, com garantia mínima de recuperação. Caso não morra em prisão, será provavelmente posto em liberdade no máximo em dez a quinze anos. Em outras palavras, prendemos um menor como se adulto fosse pela ameaça que ele representa, e o soltamos dez anos depois representando uma ameaça bem mais grave, já que praticamente eliminamos a chance de reabilitação social.

Às vezes temos que ter cuidado para que o natural e primário desejo de vingança e punição não nos impeça de tomar a medida mais racional. A evolução nos deu o mais desenvolvido CPf do reino animal, talvez o que nos torna humanos.


Façamos então bom uso dele.