A história do
debate sobre o livre-arbítrio é tão antiga quanto a própria história da
humanidade. Filósofos e religiosos têm se debruçado sobre o assunto e criado
uma obra muito rica. Os interessados encontrarão boas descrições sobre
conceitos como determinismo cosmológico, indeterminismo, compatibilismo e
outros pesquisando na internet.
Mas este não
é nosso objetivo. Se bem a discussão filosófica e religiosa é interessante,
livre-arbítrio e decisão fazem parte do repertório de ações do cérebro e ao
contrário de outras formas de conhecimento a ciência pode nos dar algumas
respostas testáveis, algo mais tangíveis que conceitos filosóficos.
Na década de
1960, pesquisadores descobriram que quando tomamos uma decisão nosso cérebro já
apresenta uma atividade elétrica que antecede ao momento de sermos conscientes
dessa decisão. Os experimentos pioneiros realizados pelos alemães Kornhuber e Deecke usando eletroencefalografia (EEG) mostraram que a ação de mover os dedos,
por exemplo, era iniciada de forma não consciente pelo cérebro frações de segundo
antes dos voluntários do experimento moverem de fato os dedos e terem
consciência do que faziam. Isso foi registrado no EEG e foi essa onda elétrica
pré-consciente que recebeu o nome de Bereitschaftspotential (BP).
Experimentos
semelhantes foram realizados pelo grupo de Benjamin Libet nos anos 80, e os
resultados foram parecidos: o cérebro já estava trabalhando numa resposta antes
dos voluntários serem conscientes disso.
Com o
surgimento de modernas técnicas de imagem cerebral como a ressonância magnética
funcional (fMRI) cientistas tiverem ao alcance uma tecnologia bem mais
sofisticada que a utilizada por Kornhuber, Deecke e Libet.
Em 2008 o neurocientista
John-Dylan Haynes e seu grupo, utilizando fMRI, registraram resultados
semelhantes aos de Libet num experimento algo mais complexo, associando a
visualização de letras numa tela de computador à ação de movimentar os dedos.
Os resultados foram de fato ainda mais surpreendentes. Em alguns casos a
atividade cerebral, o BP, se iniciou até 10 segundos antes do indivíduo ter
consciência do que faria (ver vídeo abaixo). O mais chocante é que os pesquisadores, olhando as
imagens que estavam sendo geradas mediante a fMRI foram capazes de saber o que
os voluntários decidiriam segundos antes que estes decidissem!! Não apenas
estavam lendo a mente, mas o faziam antes que o dono da mesma!
Imagem fMRI mostrando áreas de ativação no córtex frontopolar (áreas coloridas no cérebro,
sobre os olhos). De acordo com os autores, esta seria uma das regiões onde inicialmente
começa a ser gerada a decisão, antes de termos consciência dela
(extraído de Bode, S. e cols., PloS One, Vol. 6, e21612).
De acordo com
os autores a demora entre o início da planificação cerebral e a percepção
consciente da decisão a ser tomada ocorre porque ante a tarefa proposta várias
áreas cerebrais trabalham na melhor resposta possível e só uma vez encontrada a
solução a decisão chega à esfera consciente. E isso, claro, leva seu tempo.
Neste vídeo, Marcus Du Sautoy (Professor de Matemática na Universidade de Oxford e
da Cátedra Simonyi para a Compreensão Pública da Ciência) participa de um experimento
realizado por John-Dylan Haynes (Professor no Centro Bernstein de Neurociência
Computacional de Berlim) na tentativa de encontrar a base neurológica para a tomada de decisão.
Como fica então
a crença que somos “nós” que estamos decidindo? Calma, os experimentos nessa
área estão no início. Críticos do “determinismo cerebral” argumentam, e com
razão, que decisões sobre mexer os dedos são simples demais comparadas a outras
mais complexas que tomamos, como casar, divorciar, trocar de emprego, etc. Só
quando tenhamos as condições técnicas para aprimorar estes experimentos (e não
demorará muito) teremos uma ideia mais aproximada sobre se o que estamos vendo
em relação a decisões simples também se aplica a todas as outras. Mas o fato
dos resultados desde a década de 1960 apontarem na mesma direção, mesmo com
tecnologias mais e mais sofisticadas, é bastante significativo.
Por outra
parte, de acordo com os próprios cientistas, a noção do “eu” como algo separado
do corpo não passa de uma ilusão que o cérebro cria. Como comenta Michael Gazzaniga, um dos maiores neurocientistas da
atualidade, mente e cérebro são uma coisa só. A sensação de que existe um eu
separado do corpo, que o habita e controla, é apenas o resultado da atividade
cerebral que nos engana. A decisão e a posterior tomada de consciência sobre
essa decisão fazem parte do mesmo processo que o cérebro cria para que possamos
sobreviver e procriar. Mais uma conquista evolutiva.
Se tudo isto se confirmar nossa noção de livre-arbítrio
terá que mudar radicalmente. Teremos que encontrar um adjetivo mais apropriado
que “livre” para descrever como e por que decidimos o que decidimos.