Boa parte deste medo nasce do outro rio, o da ignorância. O fato é que sabemos muito pouco sobre este vírus e das reais consequências do contágio. Entre as poucas certezas está que ele chegou para valer no Brasil e nas Américas. Que como falhamos como nação na tarefa de diminuir o principal vetor, o mosquito Aedes, ele, o vírus, teve e terá terreno fértil para se espalhar pelo país todo. Sabemos também que existe uma correlação geográfica e temporal entre a epidemia de zika e o aumento de casos de microcefalia. Que material genético do vírus foi encontrado no sangue de (algumas) mães e (alguns) bebês microcéfalos. Mas de fato, não há certeza que além dessa correlação exista um fator causal, ou seja, que o vírus seja a causa dessas alterações. Pessoalmente, por tudo o que li e conversei com gente especializada nessa área, acredito que essa relação exista. A comunidade científica está apostando muito nessa possibilidade. Mas em ciência, a única crença que serve se origina de evidências testáveis e reproduzíveis daquilo que dizemos.
Sem termos certeza da relação causal entre zika e microcefalia continuaremos meio que à deriva. Parte dessa certeza poderia ser dada pelas estatísticas, a evidência numérica que claramente relacione os dois fenômenos. Mas os números no Brasil são estranhos, como bem colocou recentemente o biólogo Fernando Reinach em sua coluna no Estadão. Para quem não leu, ele faz um relato no mínimo curioso. Nos Estados Unidos, em média, nascem 6 crianças com microcefalia para cada 1000 nascimentos, ou seja, uma taxa de 0,6%. Se uma taxa semelhante ocorresse no Brasil, em 2014 teríamos que ter 19.250 casos de microcefalia, mas tivemos 147. Como a notificação ao SUS não era obrigatória, é bem provável que muitos casos não tenham sido notificados. Como agora a notificação passou a ser obrigatória, a dúvida de saber se o atual aumento de casos está relacionado com o vírus (o palpite de boa parte da comunidade científica) ou com a notificação obrigatória, é uma dúvida pertinente que só o tempo poderá responder.
Fora os números, todo o trabalho recai no laboratório. O próprio vírus já está se encarregando de fazer um experimento natural com seres humanos. Somos suas cobaias. Cada grávida com zika, cada criança que nasce com microcefalia é um infeliz experimento que permite ir colhendo informações valiosas. Mas usando apenas cobaias humanas muitas informações não poderão ser colhidas por motivos óbvios, e demorará muito tempo para termos certeza das coisas. Há uma urgência que é de tirar o sono e um caminho longo a percorrer. Inicialmente para definir com segurança uma relação causal entre o vírus e a microcefalia e outras alterações que possam ir aparecendo com o aumento da epidemia. Depois sobre os mecanismos que o vírus utiliza para neutralizar as defesas imunológicas naturais. Como ocorre a passagem do vírus via placenta, como invade os neurônios e outra células? Ele sofre mutações? Quais as possíveis consequências no sentido de obter uma vacina eficaz?
Não deixa de ser paradoxal que a maior parte destas respostas que a população com razão cobra da ciência para enfrentar este problema tão dramático só poderá ser conseguida mediante um processo que tem despertado a desaprovação de uma parcela muito importante dessa mesma população: a utilização de animais para experimentação. No final, se tudo der certo, suspeito que vai acontecer a hipocrisia de sempre, usufruir da solução do problema, mas continuar a demonizar os cientistas pela sua insensibilidade por utilizar animais. Vemos esse filme todo dia.