Páginas

sexta-feira, 28 de outubro de 2011

O dilema da pílula

Mulheres que usam pílula anticoncepcional sentem menos atração por seus parceiros e estão menos satisfeitas sexualmente que mulheres que não tomam pílula. Esse foi o resultado de um estudo recém publicado, que analisou o comportamento de mais de 2500 casais. E, o que é mais curioso, os pesquisadores também observaram que o uso da pílula pode influenciar o tipo de parceiro que a mulher escolhe, o que obviamente terá um impacto na sua vida futura.

Mas antes de tentar explicar como a pílula provoca essas diferenças, é necessário lembrar o que sabemos sobre a biologia desta escolha.

A seleção do parceiro por parte das mulheres obedece a influências sociais e biológicas. A influência social está relacionada ao contexto cultural. O que a sociedade indiana espera do matrimônio e do papel e virtudes de cada um dos cônjuges é diferente do que é esperado na Arábia Saudita, Suécia, Brasil, etc. Já a influência biológica é menos evidente. Ela é muitas vezes inconsciente e se esconde por trás do equilíbrio de substâncias químicas no cérebro.

Deixando os aspectos socioculturais para os sociólogos, como a biologia pode nos ajudar a entender essas escolhas? Os resultados nessa área são, no mínimo, intrigantes.

Como todos sabemos, o ciclo hormonal feminino determina um período fértil e outro não fértil. Embora a mulher possa sentir satisfação sexual em ambos, durante o período fértil o desejo por acasalamento é mais intenso. A recompensa que o cérebro oferece na forma de liberação de dopamina é maior, o que direciona o comportamento feminino à procura de parceiros.

O objetivo, claro, não é o prazer sexual em si, e sim ter descendentes, e estes têm que ser o mais sadios possível, os mais aptos para sobreviver num meio eventualmente hostil. Assim, no período fértil a mulher tende a escolher parceiros com caraterísticas físicas masculinas evidentes e, ao mesmo tempo, que sejam geneticamente diferentes. Diversidade genética gera descendentes com um sistema imune mais resistente, o que aumenta a chance de sobrevivência.

O responsável por isso é o denominado complexo principal de histocompatibilidade, mais conhecido como MHC (major histocompatibility complex). O MHC é um conjunto de genes responsáveis pela resposta imunológica. Sua ação está por trás da nossa capacidade de resistir ao ataque de bactérias, vírus, fungos, assim como pela rejeição a enxertos. Cada vez que enfrentamos um organismo invasor, o MHC é ativado para iniciar todas as ações de defesa de nosso corpo e ao mesmo tempo se modifica para “lembrar” esse novo ataque. Assim, acasalar com um indivíduo com MHC diferente aumentará a possibilidade dos descendentes terem um sistema imune capaz de responder a ataques diversificados. No extremo oposto, um matrimônio consanguíneo diminuirá essa possibilidade.

Mas como a mulher pode enxergar a variabilidade imunológica entre seus potenciais parceiros? Na realidade, ao que parece essas diferenças não são “enxergadas” e sim “cheiradas”. Alguns estudos indicam que substâncias químicas produzidas pelo MHC são liberadas pela urina, saliva e suor, e podem ativar o olfato do parceiro.

Em um experimento já clássico, jovens vestiram por três dias a mesma camiseta, sendo proibidos banhos e perfumes. Depois foi solicitado a um grupo de mulheres em seu período fértil que escolhesse as camisetas cujo cheiro produzisse maior prazer. De forma significativa, as mulheres optaram por camisetas de indivíduos com os MHCs mais diferentes dos seus. Curiosamente, mulheres fazendo uso da pílula tiveram reações opostas, escolhendo camisetas pertencentes a indivíduos com MHCs mais semelhantes.

De acordo com os pesquisadores, o anticoncepcional prolonga artificialmente o período não fértil, de forma que a escolha é menos influenciada pelos fatores biológicos associados com masculinidade/variabilidade genética, e mais com aspectos ligados à capacidade do macho de cuidar da prole, honestidade, confiabilidade, etc.

Embora os resultados deste tipo de estudo sempre tenham que ser analisados com cautela, as evidências apontam que ao fazer uso de pílula direcionamos o equilíbrio químico do cérebro no sentido de minimizar o apelo biológico e priorizar os aspectos não sexuais do casamento. De fato, o estudo comprovou que mulheres que escolheram seus parceiros durante o uso da pílula tiveram em média relacionamentos mais longos e foram mais felizes em aspectos como o cuidado dos filhos, segurança e amparo, mas ao mesmo tempo sua insatisfação sexual foi mais acentuada e também a frequência com que elas iniciaram os processos de separação.


Se o uso da pílula é capaz de influenciar decisões que nos acompanharão por décadas, é importante estar bem informados sobre as consequências do seu uso. Como o próprio autor do estudo afirma “Escolher um parceiro é uma das decisões mais importantes que tomamos. Se dá certo, nós ficaremos com eles pelo resto de nossas vidas, e teremos filhos com eles, e compartilharemos nossos recursos econômicos. É um passo em tanto, e você vai querer que seja o passo certo”.



Fontes:

Relationship satisfaction and outcome in women who meet their partner while using oral contraception. Roberts, SC e cols., Proc. R. Soc. B doi: 10.1098/rspb.2011.1647;12 October 2011

sábado, 22 de outubro de 2011

Ciência, mentiras e Prexige

No momento que escrevo esta coluna*, a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) acaba de proibir a comercialização no Brasil do antiinflamatório Prexige, da Novartis, seguindo o caminho de agências reguladoras da Europa, Austrália, Canadá e outros países.

Esta proibição se soma à de outros antiinflamatórios da mesma família, a família dos "coxibes". Ela é composta também, além do lumiracoxibe (nome do produto ativo do Prexige), pelos celecoxibe (Celebra Pfizer), etoricoxibe (Arcoxia Merck Sharp & Dohme), parecoxibe (Bextra IM/IV Pfizer) rofecoxibe (Vioxx Merck Sharp & Dohme) e o valdecoxibe (Bextra Pfizer). Todos têm em comum que diminuem a inflamação através da inibição de uma substância química produzida pelo nosso corpo, chamada ciclo-oxigenase-2 (ou Cox-2). Dessa família já tinham sido proibidos o rofecoxibe (Vioxx) e o valdecoxibe (Bextra) por terem causado reações adversas graves, inclusive mortes.

Inicialmente acreditava-se que inibindo a Cox-2, apenas aspectos negativos da inflamação, como a dor, seriam eliminados. As pesquisas realizadas pela indústria farmacêutica apontavam que os benefícios dessas drogas seriam bem superiores aos possíveis efeitos colaterais. Essa idéia foi vendida com muito sucesso através de campanhas de marketing milionárias, que acabaram por convencer quase todos os médicos e dentistas do mundo sobre a conveniência de ministrar esses medicamentos. Mas em poucos anos, muitos usuários começaram a apresentar problemas graves nos rins, fígado e coração, e alguns vieram a falecer.

O primeiro medicamento dessa família a ser proibido foi o Vioxx®. O laboratório que o fabricava, Merck, foi inclusive processado nos Estados Unidos. Das páginas desse processo, surgem informações que dão uma idéia sobre o grau de manipulação de informações à qual estamos sujeitos. As denúncias partiram de uma das mais prestigiosas revistas de medicina do mundo, o Jama (Journal of the American Medical Association), e quem as faz é nada menos que a Editora Chefe, Catherine D. DeAngelis. É importante esclarecer que o Jama foi várias vezes acusado de proteger a indústria farmacêutica, o que parece afastar objetivos sensacionalistas.

Os artigos foram publicados em julho deste ano. Em um deles, os autores verificaram a prática de ghostwriting (autoria fantasma). Trata-se de uma prática na qual um cientista é pago para colocar seu nome em um trabalho científico que foi na realidade escrito por outros que, muitas vezes, nem sequer aprecem como autores. Em outras palavras, pesquisadores empregados do laboratório realizaram o estudo sob a supervisão da companhia e na hora de publicar, a empresa paga a um cientista famoso para assinar como autor, que presta (vende) assim seu prestígio acadêmico em benefício do produto. De acordo com a Dra. DeAngelis, infelizmente essa parece ser uma prática comum na indústria farmacêutica.

O segundo artigo é ainda mais grave. Acusa a Merck de ter conhecimento que a administração do Vioxx aumentava os riscos de morte em paciente que faziam uso do medicamento. Mesmo assim, o laboratório entregou à FDA (a Anvisa dos Estados Unidos) documentação que, através de manipulação estatística, minimizava esses riscos. As acusações são extremamente graves, e foram feitas -de acordo com a Dra. De Angelis- porque pela primeira vez o Jama tinha provas concretas sobre as mesmas.

Embora não exista bola de cristal, é presumível que em algum tempo todos os inibidores da Cox-2 venham a ser proibidos ou seu uso reduzido drasticamente. Desde a proibição do Vioxx em 2004, importantes periódicos científicos, como o New England Journal of Medicine, já alertavam para a possibilidade de riscos semelhantes ao Vioxx vierem a ocorrer pelo uso de qualquer "coxibe" já que todos agem da mesma forma, bloqueando a Cox-2 que, além do seu envolvimento no processo inflamatório, participa de outros importantes processos biológicos, alguns dos quais presumivelmente desconhecidos.

Já que nosso sistema de controle e verificação de medicamentos é na melhor das hipóteses precário, seria uma boa medida ficarmos atentos ao que é feito em países que contam com sistemas de farmacovigilância mais aprimorados e eficientes. O lumiracoxibe já tinha sido proibido em 2007 em Austrália, sendo que nem sequer obtivera autorização de comercialização nos Estados Unidos, mas era vendido normalmente no Brasil.

Em relação aos aspectos éticos sobre a participação de médicos e cientistas em esses episódios tão lamentáveis, traduzo as palavras da Dra. DeAngelis: "... se nós não fizermos algo, nossos pacientes continuarão a sofrer as conseqüências. Nós continuaremos a ser manipulados. É hora de tomar de volta nossa profissão. Nós abrimos mão dela, ou permitimos que fossa tirada de nós. Agora temos que recuperá-la. Nada disto teria acontecido se nós não tivéssemos cooperado. Assim de simples."

Assim de simples.


*Este artigo foi publicado originalmente em agosto de 2008. Não existem indícios que as práticas descritas na revista JAMA tenham sido abandonadas (como pode ser constatado aqui).

Fonte: Impugning the Integrity of Medical Science: The Adverse Effects of Industry Influence. Catherine D. DeAngelis, CD e Fontanarosa, PB, Jama. 2008;299:1833-1835.

sábado, 8 de outubro de 2011

Ateus são mais inteligentes?

Ao longo dos seus mais de 50 anos de atividade científica, o pesquisador britânico Richard Lynn se transformou em um dos maiores especialistas no estudo da inteligência humana. Ao mesmo tempo, sua obra, estampada em pelo menos quatro best sellers e centenas de trabalhos científicos, o converteu provavelmente num dos cientistas mais detestados.

Quando um dos seus estudos sugeriu que homens são mais inteligentes que mulheres foi recepcionado em sua casa com o que ele chamou “uma salva de ovos”. Algo parecido ocorreu quando estabeleceu uma lista com as raças mais inteligentes, com os orientais no topo e os pigmeus do Congo na última posição. Para ele a polêmica é normal. Como costuma dizer, “Faz parte do ofício de um cientista revelar o que as pessoas não estão prontas para receber”.

Boa parte dos trabalhos de Lynn está baseada em estudos que, por um lado, medem a inteligência de grupos populacionais mediante testes de QI. Depois correlaciona esses dados com características como sexo ou raça.

Em seu mais recente –e não menos polêmico- trabalho, Lynn correlacionou níveis de QI e religiosidade em 137 países. A tabela completa pode ser lida aqui. Resumindo, em média, as populações com maiores índices de QI (próximos a 100) correspondem a países com maior porcentagem de ateus (República Checa com 61% de ateus, Dinamarca com 48%; França, 44%; Bélgica, 43%; Holanda 42%; Reino Unido, 41.5%) e vice-versa, em países onde os índices médios de QI são mais baixos (entre 60 e 80), a população de ateus é muito pequena ou praticamente inexistente. Para Lynn, isso acontece porque a inteligência aprimorada leva ao questionamento da religião. Mas cuidado, como o próprio Lynn enfatiza, não é porque se é religioso que se é menos inteligente. O que se observa apenas é uma tendência de encontrar QI mais alto em pessoas não-religiosas.

Para aqueles que estudam essas questões a partir do que conhecemos sobre o funcionamento cerebral, a pergunta que fica é: circuitos cerebrais que nos transformam em pessoas religiosas de alguma forma são responsáveis também por um QI menor? Só temos uma resposta: não existem evidências conclusivas que nos permitam apoiar essa hipótese. Assim, quando aceitamos esse argumento temos que verificar se nossos preconceitos não estão se sobrepondo à nossa análise crítica.

Mas o que justifica então que países com populações com QI maior sejam os que congregam o maior número de ateus?

De acordo com alguns pesquisadores, o que parece acontecer é que “países ateus” são em média mais inteligentes que “países religiosos” não por causa dos circuitos cerebrais dos seus cidadãos, e sim porque estes se beneficiam de outros aspectos que os países ricos oferecem.

Fica evidente ao analisar a tabela de Lynn que, salvo exceções, os países com populações com menor QI são também países pobres. Assim, um QI mais baixo pode estar relacionado com outros fatores que são característicos de países subdesenvolvidos: populações menos urbanizadas, um sistema educacional de baixa qualidade, pouco acesso à informação através da mídia eletrônica, maior exposição a doenças nutricionais e infecciosas que afetam o desenvolvimento cerebral, ambientes contaminados pela falta de controle sobre emissão de poluentes, o que acaba também afetando o cérebro, etc.

Por outro lado, países ricos geralmente disponibilizam um sistema de bem-estar social que deixa suas populações mais seguras quanto ao futuro. Historicamente, as religiões sempre ofereceram uma proteção divina para enfrentar uma natureza incompreensível e muitas vezes hostil. Com o maior conhecimento e domínio sobre os agentes naturais que a ciência e a educação moderna disponibilizam, aliados a uma maior segurança material, a necessidade de se aferrar a explicações fantasiosas baseadas mais em dogmas que em raciocínio lógico acaba perdendo espaço, e com ela, as próprias religiões.

Quanto aos estudos de Lynn, o maior problema é que boa parte de suas conclusões nos leva a becos sem saída. Concluir que determinado sexo ou raça tem QI menor pode ter um grande potencial para gerar polêmica, mas um potencial praticamente nulo para encontrar soluções que venham a aliviar o sofrimento humano, uma das razões de utilizar a ciência para gerar conhecimento. Por outra parte, não podemos esquecer que a medida do QI é capaz de analisar apenas uma fração daquilo que denominamos inteligência.

Se há algo que fica claro a partir desses estudos é que a religião tende a declinar quando a prosperidade aumenta. Se isto é por causa dos circuitos cerebrais ou porque não temos mais medo de trovão, é algo que neurociência cognitiva ainda está longe de responder.



Fontes: Average intelligence predicts atheism rates across 137 nations. Richard Lynn e cols., Intelligence 37:11–15 (2009).
Barber, N. (2005). Educational and ecological correlates of IQ: A cross-national investigation. Intelligence, 33, 273-284.



sábado, 1 de outubro de 2011

Evolução e preconceito

O comediante norte-americano Michael Richards ficou famoso nos anos 90 ao interpretar o personagem Cosmo Kramer, no seriado Seinfeld, seriado cujas reprises fazem sucesso até os dias de hoje. Tempos atrás Richards voltou à fama, desta vez de forma bastante negativa. Hostilizado durante um show (alguém comentou "você não é engraçado" ou coisa parecida), Richards partiu para a agressão verbal, utilizando um vasto repertório de insultos racistas e carregados de preconceito contra os provocadores (dois indivíduos negros). Dias depois, visivelmente arrependido pela sua atitude, Richards pediu desculpas publicamente. "O mais insano neste episódio é que eu não sou racista", declarou o ator.

Mas, como pode não ser racista quem, ao se descontrolar, apresenta um discurso tão preconceituoso? A resposta parece estar na diferença entre nossas atitudes conscientes e inconscientes. Entre nossos posicionamentos públicos e nossos pensamentos privados.

Consciente e publicamente, Richards não é racista. Inconscientemente, todos somos. Duvida? Visite então este site da Universidade de Harvard: https://implicit.harvard.edu/implicit/. Clique na bandeirinha de Brasil e faça o teste. Trata-se do Teste de Associação Implícita, ou TAI. Resumidamente, ele analisa o tempo que gastamos na associação de rostos de pessoas negras ou brancas, gordas ou magras, jovens ou velhas, com conceitos como bom, ruim, maravilhoso, dor, etc.

Eu fiz o teste. Sempre me considerei uma pessoa nada racista. Tolerante. Acho que meus amigos também pensam isso sobre mim. Entretanto, para minha surpresa e espanto, o resultado do meu teste foi: "Os seus dados sugerem uma forte preferência automática por Pessoas Brancas em comparação com Pessoas Negras." Como pode? Minha primeira reação foi duvidar dos psicólogos que elaboraram o teste, mas ao analisar o currículo dos mesmos percebi a seriedade e idoneidade científica da equipe. Saber que pessoas mais comprometidas com a luta contra a discriminação, brancas e negras, tiveram resultados semelhantes aos meus, também não serve de consolo.

Uma das possíveis explicações para esta "preferência automática" pode ser obtida através da análise dos mecanismos da evolução humana. Estudos antropológicos indicam que o Homo sapiens evoluiu a partir de pequenos grupos de caçadores/coletores. A sobrevivência individual dependia de um comportamento solidário e altruísta entre os membros do grupo, mas hostil com os membros de outros grupos. A seleção natural se encarregou de fixar profundamente esse tipo de comportamento em nosso cérebro, e ele persiste até hoje. Hostilidades entre grupos de torcidas organizadas, católicos/não católicos, judeus/ gentios, alunos da FOA/alunos da UNIP, etc., atestam isso. Carregamos as consequências desta evolução. Somos altruístas com os do nosso grupo. Tentamos sê-lo (alguns nem sequer se dão esse trabalho) com os membros do "outro" grupo. Somos solidários, mas somos xenófobos. Somos generosos, mas somos racistas. Nossa cultura intolerante reforça esses traços.

A compreensão desses mecanismos evolutivos é fundamental para poder lutar contra suas consequências negativas. Se bem devemos aceitar a evolução darwiniana como um fato real, devemos também ser conscientes que, socialmente, ela é inaceitável.

Nada melhor que as palavras de um dos maiores biólogos da atualidade, Richard Dawkins, para explicar esse paradoxo:


 "Como cientista acadêmico, sou um darwinista apaixonado, e acredito que a seleção natural é, se não a única força por detrás da evolução, certamente a única força capaz de produzir a ilusão de propósito que emociona os que contemplam a natureza. Mas ao mesmo tempo em que defendo o darwinismo como cientista, sou ardentemente antidarwinista quando se trata de política ou da condução dos negócios humanos."

Quando não temos clareza dessa diferença, acabamos aceitando absurdos como o chamado "darwinismo social", uma pseudociência que não tem nada a ver com o darwinismo e que foi utilizada de forma homicida por Hitler na Alemanha nazista, tentando justificar assim a limpeza étnica contra judeus, ciganos e outras minorias. Mesmo antes de Hitler, eugenistas norte-americanos tentaram fazer coisa parecida nos Estados Unidos sugerindo a adoção de programas de esterilização compulsória dos menos aptos, e favorecendo a imigração de tipos nórdicos - louros e louras de olhos azuis.

Para finalizar, nossa herança evolutiva não pode, é claro, justificar atos como os de Richards, que poderiam ser os atos de qualquer um de nós. Até não tomar consciência que somos um único grupo global, essas associações pejorativas intra-grupos continuarão. Até não conseguir esse objetivo igualitário, nos resta vigiar nosso comportamento e lembrar que a construção de uma cultura de tolerância seria capaz de, se não eliminar, pelo menos diminuir esses vestígios negativos da nossa história evolutiva.



Atualização: este artigo foi publicado originalmente em 2009, mas permanece tão atual quanto naqueles dias. Em minha defesa, repeti o teste esta semana e a coisa foi bem melhor. O resultado final: "Os seus dados sugerem uma leve preferência automática por pessoas brancas em comparação com pessoas negras.". Já é alguma coisa!

Fontes utilizadas: 

Shermer, M., Kramer's Conundrum. What the Michael Richards Event Really Means; e-skeptic, November 2006. Dawkins, R., O capelão do diabo; Companhia das Letras; 2003.