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domingo, 29 de setembro de 2013

O mistério das mesas girantes

Dias atrás a justiça do Reino Unido condenou o empresário Jim McCormick a passar 8 anos na cadeia. Motivo? Malandragem pseudocientífica.

É raro quando isto acontece, mas parece que McCormick passou da linha. Ao longo dos últimos dez anos embolsou mais de 50 milhões de libras (mais de 180 milhões de reais) vendendo detectores baseados nos princípios da radioestesia, a capacidade que algumas pessoas teriam de captar radiações emitidas pelos mais diversos objetos mediante o uso de pêndulos, forquilhas, etc. Geralmente os radioestesistas são chamados para procurar coisas mais inofensivas como água subterrânea, petróleo e outros minerais e, de forma geral, qualquer coisa que o cliente estiver procurando (e disposto a pagar).

Entretanto os “detectores” de McCormick prometiam detectar bombas, e com esse objetivo foram comprados pelas forças de segurança do Iraque e de outros países como Nigéria, Síria, México e Líbano. O resultado foi o esperado. Os detectores não detectavam nada, mesmo por que a radioestesia não tem nenhum fundamento científico. É difícil calcular quantas pessoas foram mortas por acreditar nos poderes dos detectores vendidos por McCormick, mas provavelmente não foram poucas. Daí a condenação.

Os humanos temos mesmo a tendência de acreditar em coisas malucas. De associar fenômenos naturais com causas sobrenaturais. Já falamos dos fenômenos de padronicidade e agenticidade nesta coluna (ver aqui). Quando um fenômeno escapa à nossa compreensão imediata rapidamente apelamos para o misticismo. Energias ocultas, deuses, etc. Este tipo de pensamento parece ser quase automático, e foi bem descrito pelo prêmio Nobel Daniel Kahneman (ele o definiu como “pensamento rápido”). Nosso cérebro parece vir de fábrica mesmo pronto para acreditar.

Já o processo que nos obriga a ir além desse pensamento rápido e automático é muito mais trabalhoso. Nasce com uma simples questão: será que é assim mesmo? Será que não existe explicação natural para esse fenômeno? Este processo não é automático, é mais lento, e consome mais energia. Enquanto nossa preocupação mais imediata como espécie era escapar de predadores para sobreviver, o pensamento rápido foi fundamental (ainda é muito útil). Já quando os problemas que tivemos que começar a resolver foram mais complexos esta forma do cérebro funcionar não foi mais satisfatória.

Acreditar que um pêndulo balançando em nossa mão (pode ser uma forquilha de madeira ou algo pretensamente mais sofisticado como os detectores de McCormick) pode nos dar informações sobre objetos enterrados, faz parte desse tipo de pensamento mágico que associa um fenômeno natural (o movimento do pendulo) com algo sobrenatural (uma energia ainda desconhecida que seria captada por pessoas “sensitivas”). No mesmo campo podemos incluir o tabuleiro ouija, a brincadeira do copo, e até o fenômeno das mesas girantes, tão na moda nas sessões espíritas do século 19.

Em todos esses casos, os movimentos produzidos são rapidamente associados a causas sobrenaturais. Por definição, causas sobrenaturais escapam à abordagem científica. São crenças que não estão baseadas em evidências testáveis. Enfim, não é ciência. Mas haveria uma explicação científica para esses fenômenos?

Sim. 


O primeiro a descrevê-los sem atribuir causas sobrenaturais perece ter sido o cientista inglês William Benjamin Carpenter em 1852 ao analisar os movimentos observados no tabuleiro ouija. Ele percebeu que contrações musculares poderiam ser produzidas de forma inconsciente, originadas mediante sugestão, sem percepção por parte do seu autor, e denominou esse fenômeno efeito ideomotor. Assim, pêndulos, copos, tabuleiros ouijas e mesas seriam movimentadas não pela ação de forças sobrenaturais e sim pela ação muscular involuntária do indivíduo devidamente sugestionado.

Um dos primeiros a testar essa possibilidade foi o físico inglês Michael Faraday em 1853, quem confirmou mediante um experimento bastante original que as mesas que se movimentavam durante sessões espíritas da época também estariam sujeitas e este tipo de efeito. De lá para cá o efeito ideomotor foi confirmado em diversos estudos.

Já sobre o caso McCormick, ele é exemplar para mostrar que o preço que se paga por não incluir algo de racionalidade científica em nossas decisões, pode ser muito, muito alto.