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sábado, 16 de abril de 2011

Homofobia. De onde vem? Para onde vai?


Se um homem dormir com outro, como se fosse com mulher, ambos cometem uma abominação e serão punidos com a morte: seu sangue cairá sobre eles.
(Levíticos 20:13)


Temos um cérebro moral. Pelo que sabemos até agora, possuímos redes neurais que participam em decisões e julgamentos morais. Descobrimos isso, em parte, através do estudo de casos clínicos, onde pacientes com lesões em áreas específicas do cérebro passaram a ter um comportamento social alterado.

Já escrevemos nesta coluna sobre alguns desses casos, antigos como o de Phineas Gage e modernos como os descritos pelo neurocientista Antônio Damásio. Também comentamos os experimentos onde com o uso de imãs gerando campos magnéticos sobre áreas específicas do córtex cerebral foram produzidas alterações temporárias em determinados julgamentos morais.

Há anos a neurociência está interessada em saber como essas redes neurais “morais” se formam. Já nascemos com elas ou são criadas pelo convívio em sociedade? As evidências indicam um pouco das duas possibilidades. Os genes gerariam o circuito cerebral básico que nos leva a sentir prazer quando fazemos coisas que nosso grupo considera positivas, e emoções negativas quando realizamos ações nocivas a nós mesmos ou ao grupo ao qual pertencemos.

sábado, 2 de abril de 2011

O fim da religião

Imagine que não existam países
Não é algo difícil de fazer
Nada pelo qual matar ou morrer
Nem tampouco religião
Imagine todas as pessoas
vivendo a vida em paz


(John Lennon)


Será que o sonho de John Lennon de uma sociedade sem religiões está mais próximo do que ele previa? Pelos resultados de um estudo apresentado durante encontro da Sociedade Americana de Física nos Estados Unidos, a resposta parece ser afirmativa.

Da sala de imprensa do congresso, o texto já bastante resumido foi para as grandes agências de notícias, as quais soltaram manchetes do tipo "Estudo indica que religião pode ser extinta em 9 países ricos", ou "Estudo indica que religião pode acabar em 9 países ricos" e por aí vai.

Mas será que mais uma vez um grupo de cientistas ateus desandou a falar horrores da religião? Não, nada disso.

No estudo não há nenhuma discussão filosófica sobre o valor (ou falta dele) da religião. O estudo é matemática pura. Tanto é assim que o trabalho foi realizado por uma equipe de matemáticos e físicos que utilizam termos tão complicados como "statistical mechanics nonlinear dynamics".

Trata-se da aplicação de métodos matemáticos que permitem avaliar o comportamento de grupos sociais utilizando dados do passado -fundamentalmente obtidos através de censos populacionais- para realizar uma previsão a meio e longo prazo. O método pode ser usado para analisar uma gama de fenômenos físicos e sociais onde grande quantidade de fatores acabam interferindo no resultado final.

O modelo parte do pressuposto que estar conectado a grupos que com um maior número -ou um número crescente- de membros é mais atrativo e socialmente vantajoso, e associar-se a esses grupos gera uma ideia de utilidade social. Um exemplo típico é a utilização de determinados idiomas locais. Geralmente estes tendem a ser abandonados por idiomas utilizados por um número maior de pessoas.

No caso do presente estudo, ele baseou-se em dados obtidos em censos em nove países: Austrália, Áustria, Canadá, República Checa, Finlândia, Irlanda, Holanda, Nova Zelândia e Suíça. Nesses países, todos democracias modernas e seculares, o número de pessoas que se declaram sem filiação religiosa tem aumentado ano a ano chegando a 40% na Holanda e 60% na República Checa.

Baseados nessa tendência e aplicando o modelo matemático descrito detalhadamente no estudo original, os autores chegaram à conclusão que as religiões nesses países desaparecerão em poucas décadas.

Alegria de uns, tristeza de outros. Mas sempre é bom analisar esse tipo de estudo -e qualquer outro- com uma boa dose de ceticismo científico. Primeiro, as manchetes com que o estudo foi divulgado fazem questão de citar que esses dados correspondem a "países ricos". Esta classificação já pode influenciar nossa análise desde uma perspectiva moral. Riqueza é associada por alguns com atitudes consumistas, gente mais interessada em bens materiais, sem se importar com a pobreza do mundo, etc.

Nesse contexto, o fim de religiosidade seria consequência desse egoísmo existencial.

Mas cabe também uma análise diferente, e para mim mais adequada. O que caracteriza quase todos esses países é que eles têm um sistema educacional acima da média internacional. Esse fato pode ser facilmente constatado mediante análise dos resultados do PISA (Programa Internacional de Avaliação de Alunos).

É válido pensar que em sociedades com um sistema educacional que incentive o questionamento e o pensamento crítico -base das sociedades do conhecimento- , a possibilidade de aderir a dogmas baseados na fé seja bem menor que em sociedades que incentivem a doutrinação das crianças.

Como já comentamos nesta coluna, o que a criança absorve dos adultos nos primeiros anos da sua vida acaba moldando sua existência futura.

Outro fato a levar em consideração é a existências de fluxos migratórios. A República Checa, que registra o maior número de pessoas que se declaram não religiosas, apresenta um fluxo migratório muito pequeno. Migrantes levam consigo seus padrões culturais, incluindo aqui seus valores religiosos.

O conflito que isto gera já é bastante evidente em países europeus, onde a tradição secular tenta resistir de forma algumas vezes discutível, como no episódio da proibição dos véus islâmicos na França. Seja como for, ainda não está claro como estes fluxos migratórios podem alterar a tendência para o fim da religião observada nesses países.

Finalmente, que os amantes do pensamento crítico não fiquem muito empolgados. O fim da religião não é o fim do "pensamento mágico". Os gurus da Nova Era, os enganadores da lei da atração, os vendedores de cristais, pulseiras terapêuticas e curas quânticas não se valem necessariamente da religião, e sim da ingenuidade da fé, essa desculpa que damos quando queremos aceitar algo para o qual não existe evidência nenhuma. Essa continua viva, com ou sem religião.

Fonte: A mathematical model of social group competition with application to the growth of religious non-affiliation. Abrams, D.M e cols., http://arxiv.org/abs/1012.1375.