............................................
Sonhar é um dos grandes mistérios da vida. Sonhos podem ser apavorantes a ponto de nos acordar. As emoções que despertam podem ser tão fortes que influenciam nosso estado de ânimo quando acordados.
Durante o sonho, imagens e fantasias como as descritas acima se misturam com a realidade. Mas ao final das contas, por que sonhamos?
Para a ciência, estudar os sonhos é um desafio carregado de dificuldades. Os cientistas têm que acreditar no que o "sonhador" relata, e não podem analisar o conteúdo dos sonhos dos animais, embora saibamos que eles também sonham.
Um dos primeiros a estudar os sonhos mediante a observação direta de pacientes foi Sigmund Freud, no começo do século 20. Freud acreditava que as pessoas sonhavam para aliviar a frustração sexual criada por desejos reprimidos. Entretanto, como a repressão social é tão poderosa, em vez de sonhar claramente sobre uma relação sexual muitas vezes nossa mente disfarçaria estes sonhos através de símbolos.
No decorrer do século 20, entretanto, a ciência que estuda o cérebro e o comportamento não encontrou evidências que apoiassem as teorias de Freud. Em sua defesa devemos lembrar que o que ele propôs foi o que podia levando em consideração seus conhecimentos clínicos, sua enorme capacidade de observação e o que se conhecia sobre o cérebro no início do século 20: quase nada. É normal que mais de cem anos depois o grande avanço da neurociência tenha tornado obsoletos muitos dos seus conceitos.
Podemos afirmar que o estudo científico do sono e dos sonhos começa na década de 1950, através dos pesquisadores Nathaniel Kleitman e William Dement. Mediante o uso do eletroencefalógrafo, um aparelho que permite registrar as ondas elétricas do cérebro, eles observaram que tanto o estado de vigília como cada fase do sono (sonolência, sono profundo e despertar) tem seu tipo de onda característica.
Na vigília, ondas rápidas e curtas, no sono profundo ondas lentas e longas. Paradoxalmente, em determinados momentos do sono profundo, as ondas voltam a ser rápidas e curtas, como quando estamos acordados, mesmo estando profundamente dormidos. A única coisa que mexemos são os olhos. Por isso, deram a esta fase do sono o nome de sono REM (Rapid Eyes Movement ou movimentos oculares rápidos). Acordando voluntários durante a fase de sono REM, estes descreviam sonhos complexos em 80% dos casos. Já quando acordados em fases de sono não-REM apenas 7% relatavam algum sonho, e o grau de elaboração destes sonhos não era tão "cinematográfico" como no sono REM.
Ao final dos anos setenta, o pesquisador Alan Hobson propôs uma teoria que ainda tem uma grande influência entre os cientistas: a ativação-síntese. De acordo com essa teoria impulsos originados em regiões profundas do encéfalo ativariam outras áreas relacionadas com a formação de imagens e com o processamento das nossas emoções.
A partir do ano 2000 novas evidências reforçaram esta teoria. Durante o sono REM essas áreas apresentam um elevado nível de atividade. Já os lobos frontais, onde se encontram os centros da memória recente assim como os que regulam o processo de tomada de decisão e integram, valoram e dão sentido à informação que se gera em outras áreas cerebrais, estão com a atividade muito diminuída. Sem a participação dos lobos frontais, as informações visuais impulsionadas pelas emoções fluem, mas não há ninguém para dar sentido lógico à historia.
Além da teoria de Hobson, outras têm surgido, com maior ou menor quantidade de evidências. Mas apesar dos avanços na neurociência, o mistério perdura. Aqui vão as principais.
- Alguns pesquisadores fazem analogias com sistemas computacionais. Os sonhos seriam uma forma de remover “arquivos” e processos inúteis (junk files) que foram se acumulando durante o período de vigília, de forma que o “sistema” esteja limpo ao iniciar um novo dia.
- Sonhos seriam uma forma de enfrentar e resolver situações ameaçadoras em um ambiente seguro. Acho esta teoria particularmente atraente já que incorpora aspectos evolutivos. Sempre devemos lembrar que o ambiente que nossos ancestrais tiveram que enfrentar durante centenas de milhares de anos não foi o que vivemos hoje. Sobreviver era um desafio e tanto. Precisávamos respostas rápidas para enfrentar situações potencialmente perigosas. E respostas rápidas só acontecem quando criamos redes neuronais que as facilitem. Assim, durante o sonho teríamos a oportunidade de criar novas estratégias enfrentando situações que, mesmo bizarras, exigissem uma solução imediata. Posteriormente, ao enfrentar uma situação semelhante no mundo real as vias neurais criadas durante o sonho poderiam servir como base para uma resposta salvadora.
- Já para alguns cientistas, os sonhos não teriam nenhuma utilidade, seriam apenas um efeito colateral da ativação cerebral necessária durante a fase de sono REM, uma fase do sono sem a qual importantes processos cognitivos são bloqueados, como nos mostra aqui Sheldon Cooper...
Fontes:
1 Freud, S. (1900). The interpretation of dreams.
2 Dement, W; Kleitman, N (1957). "The relation of eye movements during sleep to dream activity: An objective method for the study of dreaming". Journal of Experimental Psychology 53 (5): 339–346. doi:10.1037/h0048189. PMID 13428941
3 Hobson, J.A. (1995). Sleep. New York: Scientific American Library.
4 Evans, C. & Newman, E. (1964) Dreaming: An analogy from computers. New Scientist, 419, 577-579.
5 Hartmann, E. (1995)Making connections in a safe place: Is dreaming psychotherapy? Dreaming, 5, 213-228.
6 Hartman, E. (2006). Why do we dream? Scientific American.