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sábado, 28 de maio de 2011

O longo caminho para a Faculdade de Medicina em Araçatuba


Em março de 2006 participei da reunião do Conselho Universitário da UNESP (organismo máximo de deliberação da Universidade, por motivos óbvios denominado CO), que tinha como pauta a encampação das Faculdades de Medicina de Marília (FAMEMA) e Rio Preto (FAMERP).
O histórico desse processo e seu desfecho são relevantes neste momento em que nosso município pleiteia a criação de uma faculdade de medicina, unindo as potencialidades da UNESP local e da Santa Casa.

A encampação de FAMEMA e da FAMERP é um desejo antigo dos respectivos municípios. Costuma ser ponto importante durante cada campanha eleitoral. Assim, a pressão política para que o CO aprovasse a incorporação era explícita.

O CO analisou toda a documentação apresentada e após algumas horas de análise e discussão concluiu que sob os aspectos educacionais e jurídicos, a incorporação, embora trabalhosa, seria possível. Mas havia um entrave orçamentário, e por unanimidade rejeitou a solicitação.

Neste ponto é importante que o leitor entenda de onde vêm os recursos que a UNESP utiliza para se manter. Desde 1995, as universidades públicas paulistas recebem 9,57% do ICMS. Destes 9,57%, a USP fica com 5,03%, a UNESP com 2,34% e a UNICAMP 2,19%. As universidades contam com esse dinheiro fixo para dar conta do recado de formar profissionais, fazer pesquisa e extensão universitária, manter a folha de pagamento de todos seus funcionários (docentes e técnico-administrativos) tanto na ativa como aposentados, custeio, novos investimentos, etc. Como o dinheiro obviamente não dá para tudo isso, elas tentam captar recursos extra-orçamentários mediante convênios, agências de fomento como a FAPESP, CNPq, FINEP, etc.

Distribuição das unidades de UNESP 


A UNESP tem caraterísticas peculiares. São 32 faculdades espalhadas em 23 cidades paulistas. A distribuição de verbas entre as unidades obedece critérios relacionados com o número de alunos, número de cursos, produtividade, entre outros. Assim, ao criar novos cursos e não havendo aumento no percentual do ICMS correspondente à universidade, o dinheiro destinado a cada unidade, que já é insuficiente, diminui. O CO representa os interesses de cada uma dessas 32 faculdades. O representante do campus de Guaratinguetá, por exemplo, pode achar muito justo o desejo de Araçatuba e região terem uma faculdade de medicina, mas não vai aceitar tirar dinheiro do “próprio bolso” para que isso aconteça.

Mesmo assim, o crescimento do número de vagas no ensino universitário público é uma meta das três universidades. As três estabeleceram critérios para que esse crescimento aconteça sem que isto represente um sacrifício para as outras unidades. No caso da FAMEMA e FAMERP, entretanto, a quantidade de recursos necessários para sua manutenção superava a capacidade orçamentária da universidade. Pelos cálculos a encampação só seria possível se a cota parte da UNESP aumentasse 0,2097%. O governo estadual comprometeu-se a incorporar esse percentual nas Leis Orçamentárias Anuais (LO’s), mas essa oferta não convenceu o CO.

Acabáramos de passar por um processo de expansão bastante traumático que tinha gerado um comprometimento orçamentário fixo sem o correspondente repasse do governo estadual, com o concomitante sacrifício para todas as unidades. Desta vez o CO queria que esse valor constasse constitucionalmente na cota parte da UNESP, e não que fosse originado de um “compromisso” que posteriormente outro governo poderia não assumir. Como nem o governo estadual nem a AL aceitaram fazer essa concessão, a encampação parou por aí.

Desse episódio podemos tirar algumas lições importantes.

A primeira: compromisso e promessa de político podem repercutir localmente, mas na UNESP quem decide é o CO.

Segunda: se a proposta de Araçatuba exigir um comprometimento orçamentário similar ao exigido pela FAMEMA ou FAMERP, o CO provavelmente exigirá o mesmo compromisso que exigiu em 2006. Neste caso, a pressão política deverá ser feita sobre o governo estadual para que este aumente a cota parte da UNESP. Acho isso bem difícil de acontecer.

 Felizmente, pelo que conheço do projeto -que foi idealizado pelos professores Cláudio Casatti e João Cesar Bedran de Castro em parceria com a diretoria da Santa Casa-, ele é enxuto e exige um comprometimento orçamentário muito reduzido em relação ao que tinha sido solicitado em 2006. O modelo de gestão apresentado, bastante inovador, já convenceu a comissão da UNESP encarregada de inicialmente autorizar ou barrar o início da tramitação de novos cursos. Um feito em tanto em se tratando de um curso de medicina.

 Agora o projeto será analisado pela assessoria de orçamento da UNESP que verificará o impacto sobre a universidade. Até chegar ao CO é um longo percurso. Cursos de medicina costumam ser muito caros e o CO sempre se preocupou com esse fato. Mas se a atual comissão encarregada de apresentar o projeto continuar a fazê-lo com a mesma capacidade de convencimento, podemos ter esperanças que o longo caminho citado no título deste artigo, quem sabe, não seja tão longo assim.

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