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No belo filme "Eu, tu, eles", um raro caso de poliandria. |
Pessoalmente acredito
que esse tipo de decisão –que se soma a outras geralmente oriundas do
Judiciário- tem a benéfica capacidade de arejar nossa estrutura social e gerar debate sobre assuntos de fato relevantes. Como já
comentamos em relação ao casamento gay, trata-se fundamentalmente de uma discussão
sobre direitos individuais dentro de um estado laico e democrático. Cada um
deveria ser capaz de decidir, sem interferência governamental, com quem ou com
quantos queremos dividir nossa vida. Não faz mesmo muito sentido que o Estado
decida sobre algo tão íntimo.
Claro que esta visão
vai de encontro a tradições muito bem enraizadas, e por isso gera uma forte
resistência. Não há novidade nisso. Foi assim em relação ao fim da escravidão, ao
direito ao voto feminino, no caso da luta pelos direitos civis dos negros
norte-americanos na década de 1960, do divórcio, dos direitos civis dos gays...
Sociedades evoluem e leis e normas devem se adaptar aos novos tempos. E claro, se alguém se sentir prejudicado terá sempre o direito de recorrer à Justiça que é nos estados democráticos quem acaba ditando o ritmo dessas mudanças.
Sociedades evoluem e leis e normas devem se adaptar aos novos tempos. E claro, se alguém se sentir prejudicado terá sempre o direito de recorrer à Justiça que é nos estados democráticos quem acaba ditando o ritmo dessas mudanças.
Se a discussão dos
aspectos sociais e jurídicos do modelo familiar é ao mesmo tempo interessante e polêmica, seu estudo desde
a óptica evolutiva chega a ser fascinante. Mas quando fazemos este tipo de
abordagem devemos sempre lembrar que nosso cérebro mamífero não quer saber
sobre conceitos politicamente corretos. Há uma diferença conflitante entre o
que biologicamente desejamos e o que socialmente podemos almejar. Muitas vezes
essa diferença nos choca.
Nosso cérebro evoluiu durante
milhões de anos se preocupando com nossa sobrevivência e reprodução. Criou
mecanismos gratificantes quando fazemos coisas relacionadas com atividades como
comer, beber e fundamentalmente procriar. Somos consciente ou inconscientemente
obcecados em ter descendentes e cuidar para que eles sobrevivam. Tudo o que
permite esse objetivo será recompensado na forma de prazer. Fugir da dor e ir
atrás do prazer é o que motiva nosso comportamento, mesmo que não percebamos.
Se analisarmos apenas nossa
curta história como Homo sapiens (uma
história de uns 200.000 anos), observaremos que em mais de 95% desse período
vivemos uma vida de caçadores coletores em meio a um ambiente hostil e parco de recursos. Nosso cérebro evoluiu para sobreviver e procriar nessas
condições, onde passamos quase toda nossa história, e por isso tem dificuldade
em compreender e lidar com aspectos e normas de relacionamento atuais que não
existiam em nosso habitat ancestral. Ser politicamente correto representa
muitas vezes não fazer o que no fundo queremos. Obviamente isso gera conflitos.
Com isso em mente,
ficamos mais preparados para analisar de forma menos passional o dilema entre
poligamia e monogamia que agora se apresenta para tirar nosso sossego.
Pelo que sabemos os
humanos somos naturalmente polígamos, predominando notavelmente a poliginia
(união entre um homem e várias mulheres) sobre a poliandria (união de uma mulher
com vários homens). Os cientistas sabem disso porque o homem é maior que a mulher.
O dimorfismo sexual parece ser um indicativo eficaz para analisar se uma
espécie é monógama ou polígama. Em primatas estritamente monógamos como o
gibão, machos e fêmeas são do mesmo tamanho. Gorilas, que são fortemente polígamos,
apresentam grande dimorfismo sexual. Nessa escala, nós humanos apresentamos um
dimorfismo sexual médio, o que se correlaciona também com uma disposição média
para a poliginia.
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À esquerda, o poligâmico gorila e seu harém. À direita, um monogâmico casal de gibões. Observar as diferenças no dimorfismo sexual entre as duas espécies de primatas. |
Corroborando essa
tendência biológica e de acordo com os registros mais atualizados, das 1.231
sociedades humanas encontradas hoje no planeta, apenas 186 são monogâmicas, 453
são ocasionalmente poligínicas, 588 frequentemente poligínicas, e quatro
poliândricas. Assim que ninguém se espante se alguém disser que não há nada de
novo ou errado na poligamia.
Mas o que é mais socialmente
conveniente, a poligamia ou a monogamia? E quem mais se beneficia com uma ou
outra, o homem ou a mulher?
Se o leitor apostou
que são as mulheres as mais beneficiadas com a monogamia, parece que fez a
aposta errada.
Mas é fácil errar.
Numa passeada rápida pelas mídias sociais encontramos essas românticas
mensagens glorificando o amor eterno, geralmente acompanhadas por casais idosos
abraçados, deitados, dormindo de conchinha, tomando banho, correndo pela
praia... Quase que irremediavelmente
essas mensagens foram postadas por mulheres. Já as mensagens masculinas se inclinam mais para o lado da promiscuidade. Assim, o sistema monogâmico vigente parece
ser um pesadelo para a maioria dos homens. Será?
Os cientistas parecem
ter outra opinião. Fêmeas em geral preferem compartilhar um macho alfa a ter
exclusividade sobre um macho inferior. Ou como diria o escritor George Bernard
Shaw “O instinto maternal leva a mulher a preferir a décima parte de um homem
de primeira categoria do que a posse exclusiva de um de quinta.”. Essa tendência aumenta em regimes onde a
distribuição de bens é muito desigual. Nesses casos, “a décima parte de um
homem de primeira categoria” representa mais de 100% dos recursos de um homem de
quinta. Já em sociedades com recursos mais igualitariamente distribuídos, onde
ricos não são muito mais ricos que os pobres, “um décimo” dos recursos de um
homem rico provavelmente representará menos da totalidade dos recursos de um
homem pobre. Aí a exclusividade compensa.
E para os homens, a
poliginia é tão boa quanto eles alardeiam?
Não para a maioria. Numa sociedade onde
a poliginia é legal (como a islâmica de hoje), um homem pode ter até quatro
esposas. Considerando uma distribuição de 50% entre homens e mulheres entre a população, somente os homens considerados mais “aptos” pelas mulheres (ou
suas famílias) terão direito a ter uma esposa. Se metade dos homens decidir casar
com duas mulheres, a outra metade não terá esposa nenhuma. Se decidirem fazer
jus às suas quatro esposas, um número maior de homens vai ficar solteiro para
sempre. Uma receita para o desastre. Mais cedo ou mais tarde a necessidade de
procriar dos machos menos atraentes vai gerar uma pressão que só poderá ser
reprimida com violência e morte.
Assim, para as
mulheres, como tanto em regimes monogâmicos como poligâmicos (excluindo aqui a
rara poliandria) terão um único parceiro, a poligamia opcional é conveniente
porque permite uma flexibilidade de opção caso exista uma diferença muito grande
na distribuição dos bens entre os homens. Já para a maioria dos homens a
monogomia compulsória é a única que assegura -mesmo aos homens menos atraentes-
a possibilidade de conseguir uma esposa. Se por um lado a poligamia assegura a reprodução dos mais "aptos", ela pode gerar uma tensão social muito grande.
Claro que a complexidade do comportamento humano não se restringe aos apelos hedonistas de nosso cérebro mamífero. A evolução selecionou também comportamentos que privilegiaram nosso convívio em grupo, mesmo por que a sobrevivência individual depende de um grupo coeso, o que por sua vez demanda em alguns casos sacrifícios pessoais. Altruísmo e empatia também fazem parte, felizmente, de nosso repertório cognitivo.
Finalizando, é sempre importante conhecer todas as forças que nos fazem ser como somos, sem esconder nenhuma embaixo do tapete.
Ou como diriam os gregos, nosce te ipsum.
Leitura recomendada: Por que os homens jogam e as mulheres compram sapatos. Satoshi Kanazawa e Allan Miller, 2007.
Claro que a complexidade do comportamento humano não se restringe aos apelos hedonistas de nosso cérebro mamífero. A evolução selecionou também comportamentos que privilegiaram nosso convívio em grupo, mesmo por que a sobrevivência individual depende de um grupo coeso, o que por sua vez demanda em alguns casos sacrifícios pessoais. Altruísmo e empatia também fazem parte, felizmente, de nosso repertório cognitivo.
Finalizando, é sempre importante conhecer todas as forças que nos fazem ser como somos, sem esconder nenhuma embaixo do tapete.
Ou como diriam os gregos, nosce te ipsum.
Leitura recomendada: Por que os homens jogam e as mulheres compram sapatos. Satoshi Kanazawa e Allan Miller, 2007.
Realmente as mulheres concordam com a poligamia quando gostam do homem em muitos casos. Eu sinto que falta alguma coisa quando estou com uma só mulher. Com duas me sinto completo. Elas até que aceitam, mas não podem dizer isso e casa ou publicamente pois seriam reprimidas. Apesar de não ser um homem rico e meus 10% talvez não ser equivalente a 100% de outro, nunca tive problemas com mais de uma mulher. O negócio é tratar as duas (ou mais) com igualdade, com respeito etc... quero duas pra mim! Podem me chamar de Kafa(geste)
ResponderExcluirAprovado, te entendo, tbm me sinto completo so com duas, olha que ja tive dois relacionamentos assim mas o preconceito das pessoas atrapalhou.
ExcluirNa verdade o pessoal gosta e fazer alarde sobre essas coisas, em particular os brasileiros, porque para boa parte de nós o mundo se resume ao Brasil e ao cristianismo. Enfim... se todas as partes estão satisfeitas, não há problema algum.
ResponderExcluirAbraços
verdade absoluta mulher adora lugares e homens diferentes, a questão ? elas ama diversidade.
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