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sábado, 29 de setembro de 2012

Invadindo seu cérebro

Toxoplasma gondii observado mediante microscopia de fluorescência.
O ciclo da vida definitivamente não é tão romântico como aprendemos com o Rei Leão, nem a natureza parece ter sido planejada por um benevolente criador. Que o digam as formigas carpinteiras da Amazônia (Camponotus spp). Elas são frequentemente contaminadas por um fungo (Ophiocordyceps unilateralis) que invade músculos e o sistema nervoso do inseto. A formiga infectada tem então convulsões que a fazem cair no chão da floresta. Uma vez no chão sofrem com uma desorientação que as impede de voltar à sua colônia. Caminham assim como zumbis para os locais mais povoados pelos fungos. 
Mas quem pensou que a “maldade” da natureza termina aqui se engana. Quando chega o momento mais quente do dia, quando o sol está a pique, os fungos lançam uma ação coordenada de “controle mental” sobre todas as formigas infectadas de forma que estas são forçadas a morder a parte inferior da folha mais próxima; ao mesmo tempo bloqueiam a ação dos músculos que permitiriam a abertura das suas poderosas mandíbulas. Resultado, a formiga fica presa pela sua própria mordida à folha, aguardando uma morte lenta e inexorável. Seu corpo será utilizado pelo fungo como alimento e local de reprodução. 


Formiga carpinteira (Camponotus spp) sendo parasitada pelo fungo
 Ophiocordyceps unilateralis. Observar esporos do fungo
emergindo do corpo do inseto.


Este tipo de parasitismo que mais lembra um filme de terror não é apenas observado em insetos. Atinge também mamíferos, e quem sabe esteja agindo em você, leitor, neste exato momento.

Nosso vilão agora não é um fungo e sim um protozoário muito comum, causador da toxoplasmose, o Toxoplasma gondii (estima-se que quase a metade da população mundial esteja infectada, a maioria sem saber). O ciclo deste protozoário é bem conhecido. O gato é o hospedeiro definitivo. É apenas em seu intestino que o Toxoplasma se reproduz, gerando ovos que são eliminados através das fezes. Os ovos podem contaminar qualquer animal de sangue quente, incluindo humanos, ratos e aves.

Os cientistas descobriram que ao infectar os ratos o protozoário invade seu cérebro e provoca alterações comportamentais específicas nesses roedores. A mais impressionante: eles perdem o medo instintivo que deveriam sentir pelos felinos (não apenas perdem o medo, passam a sentir um tipo de atração sexual pelo cheiro da urina do gato!!). Péssimo para o rato, bom para o gato e ótimo para o Toxoplasma gondii. Tudo o que o protozoário deseja é que o rato seja devorado pelo gato, de forma a retornar ao intestino do felino e completar seu ciclo reprodutivo. 


Sob a ação do Toxoplasma o comportamento do rato é alterado e em vez de medo passa a sentir certa atração pelo gato.
Será que algo semelhante pode acontecer com humanos contaminados?


Se o Toxoplasma causa esse efeito suicida no cérebro dos roedores, o que poderia acontecer nos humanos? Os estudos sobre esse assunto ainda não são conclusivos, mas os resultados que já temos são assustadores. Parece existir uma correlação bastante clara entre toxoplasmose e esquizofrenia e também entre toxoplasmose e tendências suicidas, tanto em pacientes com doenças mentais como em indivíduos normais.

Também existe uma tendência de pessoas infectadas com Toxoplasma apresentarem níveis acentuados de neuroticismo (uma predisposição para experimentar estados emocionais negativos), o que estaria relacionado ás tendências suicidas citadas anteriormente.

um estudo recente mostrou que pessoas infectadas com Toxoplasma gondii tendem a apresentar comportamentos mais desinibidos e imprudentes. Um dos autores do estudo afirmou que "O Toxoplasma manipula o comportamento do animal hospedeiro, aumentando a concentração de dopamina e alterando os níveis de certos hormônios ". No estudo, os pesquisadores observaram que quanto maior a duração da doença, mais imprudente parecia ser o comportamento dos indivíduos investigados, o que reforça a hipótese sobre a ação direta do protozoário nas alterações da personalidade.

Devido a esta capacidade potencial de interferir em nosso comportamento e por sua alta incidência, alguns pesquisadores já estão questionando até que ponto nossa própria cultura chega a ser influenciada por estes invasores mentais.

Enquanto não tivermos respostas definitivas, é bom ficar de olho e tomar muito cuidado –principalmente as mulheres grávidas- com essas caixas de areia onde nossos gatos costumam depositar sua carga nada desprezível de Toxoplasma gondii. Se ainda existem dúvidas sobre a ação do protozoário em nosso comportamento, o dano que podem provocar durante a gravidez é por demais conhecido.

Fontes:
David P Hughes, Sandra Andersen, Nigel L Hywel-Jones, Winanda Himaman, Johan Billen and Jacobus J Boomsma.Behavioral mechanisms and morphological symptoms of zombie ants dying from fungal infection. BMC Ecology, 2011; DOI: 10.1186/1472-6785-11-13
Ajai Vyas, e cols. Behavioral changes induced by Toxoplasma infection of rodents are highly specific to aversion of cat odors. Proc Natl Acad Sci U S A. 2007 April 10; 104(15): 6442–6447. doi 10.1073/pnas.0608310104
Lindová J, Příplatová L, Flegr J. Higher Extraversion and Lower Conscientiousness in Humans Infected with Toxoplasma. European Journal of Personality. 25(3): 285-291, 2012.

5 comentários:

  1. Não há a opção curtir, infelizmente.
    Esse assunto é por demais interessante!

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    1. Obrigado. A opção curtir do FB desapareceu misteriosamente. Só restou a opção "Recomendar no Google" e compartilhar no FB.
      Abraço.

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  2. Eu que agradeço, e continuo no aguardo para novas postagens. Seu blogue é fantástico! Graças a ele procuro seguir a carreira científica.

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    1. Fico feliz Caio. O blog então cumpriu sua finalidade. Estamos ficando sem cientistas!!!

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    2. É uma lástima realmente, mas espero que haja sempre alguns para dar continuidade ao trabalho.

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