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terça-feira, 23 de outubro de 2012

E Einstein continua ateu

Quando li estes dias a manchete “'Carta de Deus' escrita por Albert Einstein será leiloada na internet” me perguntei por que será que a imprensa está requentando uma notícia de 2008? Nesta coluna já tinha escrito sobre o assunto há alguns anos, daí minha surpresa. 

O que de fato ocorreu (e isto a imprensa parece não ter noticiado agora) é que a mesma carta está sendo renegociada. Ela foi descoberta em 2008 e nesse mesmo ano leiloada por 170.000 libras esterlinas (uns US$275.000,00). Agora, será novamente leiloada, só que com um lance mínimo de três milhões de dólares!!!

O medo na época era que o comprador fosse algum fanático religioso capaz de, em nome da fé, destruir o documento. Nada disso. Um investidor esperto salvou a carta e vai lucrar mais de 1000% em quatro anos.

Com a fortuna que nossos pastores andaram acumulando aqui no Brasil, espero que os temores de 2008 não se confirmem agora!!!






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O discreto ateísmo de Einstein

(Publicado 07/06/2008)

“A palavra Deus para mim é nada mais que a expressão e produto da fraqueza humana, a Bíblia é uma coleção de lendas honradas, mas ainda assim primitivas, que são bastante infantis.”

Albert Einstein


Uma carta do físico Albert Einstein que ficou escondida por mais de 50 anos, parece ter jogado uma pá de cal sobre o debate sem fim a respeito da “religiosidade” do pai da teoria da relatividade. A frase acima foi extraída dela, e permite entender o porquê de tanta decepção por parte dos defensores de um Einstein religioso.


A carta de Einstein, escrita em 1954, um ano antes da sua morte, foi uma resposta dirigida a Erich Gutkind, autor do livro “O chamado bíblico para a revolta”. Talvez tivesse pensado Gutkind que o endosso de um grande cientista reforçaria as teses religiosas da sua obra. Na carta, Einstein não apenas deixa clara sua posição em relação a Deus, como também sua posição como judeu: 


“Para mim, a religião judaica, como todas as outras, é a encarnação de algumas das superstições mais infantis. E o povo judeu, ao qual tenho o prazer de pertencer e com cuja mentalidade tenho grande afinidade, não tem qualquer diferença de qualidade para mim em relação aos outros povos.”

Segundo o jornal britânico The Guardian, a carta, que era desconhecida por alguns dos principais biógrafos do cientista, foi leiloada por 170.000 libras (mais de R$540 mil) no último dia 15 de maio (2008).




Original da carta de Einstein que será leiloada com lance mínimo de 
US$3.000.000,00

Não é de hoje que a suposta religiosidade de Einstein é motivo de debate. Boa parte da mídia e aqueles que pregam uma visão religiosa sempre deram ênfase a alguns aforismos e frases proferidas em público pelo físico alemão que apontavam nesse sentido, enquanto que posições em sentido contrário expressas geralmente através de cartas particulares ficavam escondidas. A frase “Ciência sem religião é manca, religião sem ciência é cega” talvez tenha sido a mais explorada. “Deus não joga dados” é outra. Em relação a esta última, hoje fica claro que fora tirada do contexto. No caso Einstein se referia de forma bastante irritada aos pressupostos da física quântica -de seus colegas Niels Bohr, Max Born e outros- nos quais Einstein não acreditava muito (evidências posteriores, entretanto, mostraram que Einstein estava errado). 

Mas em várias ocasiões a posição de Einstein tinha ficado clara. Também em 1954, respondendo uma carta que lhe fora enviada por um missivista presumivelmente ateu perguntando se de fato Einstein era, como a mídia americana afirmava, um homem religioso, este respondeu


“Foi, claro, uma mentira o que o Sr. leu sobre minhas convicções religiosas, uma mentira que vem sendo sistematicamente repetida. Eu não acredito em um Deus pessoal e nunca neguei isso, ao contrário, tenho expressado isso claramente. Se há algo em mim que pode ser chamado religioso é a ilimitada admiração pela estrutura do universo até onde nossa ciência pode revelá-la.”

Em outra oportunidade, recusando o convite de um rabino para freqüentar a sinagoga, Einstein responde:


“Desde o ponto de vista de um padre jesuíta eu sou, claro, e sempre tenho sido, um ateu. Eu tenho dito repetidamente que a ideia de um Deus pessoal é infantil. Você pode me chamar de agnóstico, mas eu não compartilho o espírito de cruzada (crusading spirit) dos ateus profissionais cujo fervor é principalmente devido a um doloroso ato de liberação dos grilhões da doutrinação religiosa que eles receberam na sua juventude. Eu prefiro uma atitude de humildade correspondente com a fraqueza de nossa compreensão intelectual sobre a natureza e nosso ser.”

Independente se esta carta acabará ou não com a controvérsia, é curioso assistir esta relação de contestação e desejo da religião para com a ciência. Quando a ciência, através de evidências e sem nenhum propósito de atacar alguém, diz que a Terra tem bilhões de anos e não os oito mil e poucos que a Bíblia indica, a ciência não serve. Quando diz que o universo parece ter sido criado bilhões de anos atrás através de uma grande explosão a partir da qual surgiu todo o resto, contradizendo assim a versão literal do Gênesis, a ciência está errada. Quando a ciência diz que os humanos e todas as outras espécies são fruto de um lento processo de evolução e não de criação, a ciência está absurdamente enganada. Mas quando um cientista eminente manifesta uma posição pessoal pró-religião, ou quando algum experimento científico parece sustentar, mesmo que indiretamente, alguma revelação bíblica, cientista e descoberta assumem um valor inquestionável. Agora a ciência serve, mas apenas este minúsculo fragmento do pensamento científico!

A fé de quem crê não deveria ser posta em dúvida pela opinião pessoal de outro indivíduo, cientista ou não. A fé não se fundamenta em argumentos racionais, assim, não faz sentido utilizar a racionalidade da ciência para sustentá-la. Se as evidências científicas chegam a abalar nossa fé, é porque ela não era tão forte - e cega - assim. 

Ainda bem!




9 comentários:

  1. E este blog que se diz de Ciência insiste no proselitismo ateísta. Einsten pode até ter sido ateu, ou agnóstico (mais provável, até) mas certamente ele tinha cabeça muito mais abeta, não compactuaria com a onda neo-ateísta, que instrumentaliza a Ciência à serviço de sua militância, que acaba se tornando uma forma mesma de religião, tem seu 'Credo', tem seus dogmas, tem seus 'pastores', seu 'Sumo Pontífice' (o bitolado do Dawkins) e 'evangelistas'.

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    1. Caio, o blog, como consta no título, diz respeito à cultura da ciência, e não apenas à divulgação de notícias científicas. Espero que entenda a diferença.

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  2. Sou formado e trabalho com física mas em minha opinião a ideia de que um cientista é por lei agnóstico ou ateu não faz o menor sentido, ainda mais em um país como o brasil (com b mesmo pq por estes dias tenho visto notícias lamentáveis deste país rs). Conheço um pesquisador de física na UFSCar que ofereceu sua dissertação de mestrado à nossa senhora. Acredito que o fato de um cientista saber ter fé em algum deus deva-se há um dos dois fatos: ou ele tem conhecimento muito bom sobre as duas coisas a ponto de saber separá-las, ou não tem conhecimento algum, e para ele tanto faz misturar as duas coisas, pois não consegue distingui-las. Infelizmente, no brasil acho que a segunda predomina. Mas, em última análise... ótimo texto! Abraços!

    obs: Einstein deve ser desmistificado sobre muitos aspectos rs

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    1. Oi Jonas. Suspeito que a ciência por definição seja agnóstica, no sentido de não poder ter um conhecimento definitivo.
      Abraço e obrigado!

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  3. Ótimo texto meu caro. Quem dera eu saber escrever textos assim.
    Parabéns pelo trabalho.

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  4. Enquanto perdemos tempo discutindo se é a religião ou a ciência a dona da verdade, a vida passa e fica apenas uma questão: Terá sido útil criticar as crenças uns dos outros?
    Do ponto de vista religioso nem o próprio Deus exige que creiamos nele (não importa se vc não acredita, isso é uma escolha pessoal) e do ponto de vista científico muito há para ser explicado e entendido, então não faz sentido gastar "energia" com esses assuntos.
    Para mim são os dois mais nobres grupos (Religiosos e Cientistas), não fazem mal ao próximo (os normais ao menos), e tudo que fazem é voltado ao bem comum, Buscando paz e autoconhecimento. Se Einstein não acreditava em Deus eu também não devo acreditar? Isso não faz sentido algum, da mesma maneira que se a situação fosse contrária. Sim, Einstein foi um brilhante cientista, disso ninguém discorda, mas as crenças pessoais não devem ditar regras nem ao menos servir de base para religiosos como para ateus, há muito mais em jogo.
    Verdadeiros cientistas estão preocupados em aumentar e repassar seus conhecimentos para o bem da humanidade e não em comprovar a não existência de Deus, da mesma maneira que os verdadeiros religiosos estão preocupados em purificar a alma e repassar os benefícios espirituais para aqueles que também quiserem. Ninguém deve impor sua crença, isto nos torna bárbaros e desumanos.

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