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sábado, 6 de dezembro de 2014

Atraso sem fim


No que parece ser um firme e insistente propósito de levar o país aos saudosos tempos da Idade Média, o pastor-deputado Marcos Feliciano acaba de propor um projeto de lei para incluir na grade curricular das Redes Públicas e Privadas de Ensino, de forma obrigatória, conteúdos sobre criacionismo. Conforme consta no projeto “Os conteúdos referidos neste artigo devem incluir noções de que a vida tem sua origem em Deus, como criador supremo de todo universo e de todas as coisas que o compõe”.

A esta altura nada mais deveria nos surpreender vindo das hordas do fundamentalismo religioso que povoam o Congresso Nacional e às quais os governos fazem questão de dar tanto espaço e apoio (e que, claro, nosso eleitor democraticamente colocou em Brasília). Mas um disparate dessa magnitude chega a ser assustador.

O projeto (leia aqui) se resume a um amontoado de conceitos que carecem da mínima base educacional ou científica. Utiliza erroneamente o conceito de teoria científica, sem ter ideia da diferença com o conceito coloquial do termo; junta no mesmo saco de gatos evidências testáveis e atos de fé. Iguala sem o menor fundamento a Teoria (científica) da Evolução com dogmas de uma religião específica (a do pastor, baseada no livro do Gênesis, as outras são ignoradas no projeto). Mistura conceitos como origem da vida, Big Bang, evolução, como se tudo fosse fruto de uma mente “cientificista” anti-Deus. E ao tornar obrigatório o ensino do criacionismo cristão bate de frente com vários artigos da Constituição Federal. 

Em vão procurei trechos no texto que servissem de exemplo para ilustrar aqui a confusão à qual me refiro, não porque eles não existam e sim porque constituem a quase totalidade do projeto.

Ante tamanho feito, várias federações e associações científicas e de ensino de ciências já se manifestaram alertando sobre o perigo disto ser levado a sério e aprovado. Mas acho que a carta enviada pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência aos deputados (ver aqui) resume de forma clara todo esse temor. Assim, com a licença do leitor, por ser a entidade que representa a ciência do Brasil, prefiro transcrever alguns parágrafos que reputo fundamentais.


Sobre a evolução

“A descoberta e o entendimento do processo da evolução representa uma das maiores conquistas na história da ciência. A evolução explica com sucesso a diversidade de vida na Terra e tem sido confirmada repetidamente por meio de observação e experimentos em uma ampla gama de disciplinas científicas. A ciência evolucionária foi que deu a base para o surgimento da moderna biologia, abrindo caminho para novos tipos de pesquisa médica, agrícola e ambiental, além de ter proporcionado o desenvolvimento de tecnologias que têm ajudado a prevenir e combater doenças que afligem a humanidade.”



Sobre o criacionismo

“Os argumentos criacionistas são baseados em crenças acerca de uma entidade de fora do mundo natural. Não pode ser investigado pela ciência, que somente investiga os fenômenos que ocorrem naturalmente.
O criacionismo não é uma teoria científica, não satisfaz a condição essencial de poder ser testada, refutada, confrontada com a realidade por meio de observações e experiências, de tal modo que se possa verificar se suas afirmações são conformes aos fatos. (...)”.



E finaliza...

“Definitivamente, não há como inserir o criacionismo no conteúdo de disciplinas científicas, para que não prejudique o ensino científico de boa qualidade no Brasil.
Diante do exposto, senhores deputados, a SBPC solicita que o PL 8099/2014, bem como o PL 309/2011, no qual o primeiro está apensado, sejam rejeitados e arquivados, mantendo assim o princípio da laicidade e liberdade de crença garantidos pela nossa Constituição federal, bem como não comprometa o ensino das Ciências a nossos alunos.".


É isso. Por mais deficiente que esteja nossa educação básica, sempre encontraremos voluntários para torná-la pior.






4 comentários:

  1. Olá Roelf, faz um tempo que não passo por aqui.
    Interesssante o texto.
    Primeiramente, é muito importante salientar o que você disse: somos nós quem escolhemos os parlamentares, tanto senadores quanto deputados. Se eles propõem leis que não nos agradam, somos nós quem devemos enviar e-mails, ou de outra forma nos comunicarmos com eles, para cobrarmos nossa representatividade no congresso. Se não fazemos isso, estamos dando um aval para o parlamentar propor o que bem entender. Acho que este é um dos principais problemas do eleitor brasileiro. Por outro lado, eu concordo em gênero, número e grau, que deveríamos tentar barrar isso nas escolas, de modo a garantirmos a laicidade de um estado. Mas este estado não é o Brasil. O Brasil está longe de ser um estado laico. Por exemplo, se não enviamos e-mails para nossos parlamentares pedindo que os feriados religiosos sejam extintos do calendário brasileiro (um simples exemplo), como pedir a manutenção de um estado laico, se este nem sequer existe?
    Bom, eram estes meus comentários. O Bolsonáro, Feliciano, entre outros, foram eleitos por pessoas quem pensam como eles, portanto, é muito natural que eles queiram propor as leis que tentam propor. Cabe à casa do povo (o congresso) barrar ou não tais leis. É o jogo da democracia! Abraços

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  2. Sempre a ignorância foi mais poderosa e com mais adeptos. E isso se torna cada vez mais difícil de mudar. Todo isto é alimentado pela mídia, e a falta de interesse dos governantes na cultura. Pão e circo. A lógica é simples, quem votaria nestes governantes se as pessoas fossem cultas e inteligentes?
    Ninguém está preocupado com a o conhecimento dos políticos. Sendo carismático e com dinheiro para a campanha, qualquer um vira político
    A inteligência sempre vai estar em desvantagem com respeito à quantidade de simpatizantes já que nascemos ignorantes, resultando mais fácil ficarmos na posição inicial do que mudar de posição.
    O único a fazer é seguir promovendo o conhecimento e o pensamento científico.
    Se surgir algo para ser assinado contra esta estupidez, por favor, me avisem.

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  3. Será que já ouvistes falar do decreto de lei 8243? Outra maravilha, “comunistas crentes”.

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  4. A religião é a resposta simples, rápida e supostamente apaziguadora ao medo do desconhecido. É a falta de capacidade de compreensão. É a negação da capacidade de utilizar a inteligência. É a ignorância plena.
    Se nos ensinassem desde pequenos que a vida é um movimento constante; que por isso é sempre algo novo; que por ser algo novo, sempre é desconhecido; e que “viver” é estar sempre no campo do desconhecido, com o prazer e o gosto do sempre novo; as religiões organizadas não existiriam. Porque teríamos a capacidade, liberdade e inteligência de compreender o novo como algo natural ao movimento da vida; à existência.
    Libertar-se da religião é libertar-se de toda e qualquer forma de ilusão.
    Para os governantes em geral, o medo é uma forma de dominar a multidão. Só que para ter medo constantemente nas pessoas, estas devem ser ignorantes. E para manter as pessoas ignorantes, alem de limitar a cultura, incentivar o nacionalismo, incentivar o futebol e os programas de entretenimento para alienados, tem como arma mais efetiva a religião.
    Enquanto nossos governantes devam jurar com a mão no “manual do psicopata” (conhecido como livro sagrado), e nos tribunais e escolas tenham símbolos religiosos, estaremos comprometidos com a falta de inteligência.

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