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Apenas uma rosa? |
Tudo consistia em gravar por horas e horas esse ruído que se escuta quando um rádio fica sintonizado entre uma estação e outra. Esse ruído de fundo, carregado de estática, era bem caraterístico nos rádios mais antigos, nos atuais quase não existe.
Depois de gravar e filtrar todo esse barulho, os autores afirmavam ouvir vozes humanas, algumas palavras, algumas frases. Um dos pesquisadores, talvez o mais famoso, Konstantīns Raudive (aluno de Carl Jung) chegou até ouvir a voz de sua ex-namorada Aileen, recentemente falecida. Curiosamente, a frase de Aileen tinha apenas quatro palavras (“Sua Aileen sabe tudo”), cada uma em um idioma (inglês, francês e alemão), mas com erros gramaticais, demostrando que, caso o além exista, lá aprendemos idiomas tão deficitariamente quanto em vida. Raudive também gravou a voz da sua mãe, uma senhora da Letônia que depois de morta começou a falar, além do seu dialeto natal (único que ela conhecera em vida), uma mistura de espanhol, italiano, sueco e alemão, coincidentemente, todos idiomas que Raudive conhecia. No final da sua vida, Raudive – que chegou a lançar um livro de grande sucesso em 1971- se dedicou a estudar as capacidades mediúnicas de um periquito chamado Putzi, que segundo ele enviava mensagens de uma menina de 14 anos morta há pouco tempo.
Mas a literatura sobre o assunto não para aí. Projetos como o Spiricom, de William O'Neil (1980) e outros, todos baseados no mesmo sistema de gravação de estática ficaram bastante famosos e deram origem posteriormente aos estudos sobre EVP (Electronic voice phenomena). Na internet há uma boa quantidade de material disponível aos interessados. Mas nosso objetivo aqui não é discutir a comunicação com o além. Essa não é uma questão científica. A questão é entender por que alguns afirmam ouvir vozes humanas, palavras, frases, no meio desse barulho?
Spiricom: paranormalidade, fraude ou pareidolia?
Em resumo, ao que parece nosso cérebro está dando significado a padrões acústicos que não têm significado algum. Este fenômeno, denominado padronicidade (ou pareidolia), é bastante comum em relação ao sistema visual. Já comentamos sobre a face de Marte, onde algumas elevações no solo marciano levaram muitos a acreditar tratar-se da escultura de uma face. É o mesmo fenômeno por trás da aparição da Virgem Maria numa torrada ou no vidro de uma janela (veja alguns exemplos de pareidolia aqui).
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Uma máquina de lavar bêbada? |
Mas a padronicidade auditiva não explica apenas essa suposta comunicação com o mundo espiritual. Ao final dos ‘60 tinha corrido o boato que o beatle Paul McCartney morrera num acidente de carro, que a banda decidira esconder colocando um sócia em seu lugar. Uma das evidências dessa teoria conspiratória seria que ao ouvir alguns versos da música Revolution 9 com o LP girando ao contrário, se ouviria a mensagem "turn me on dead man" (me transformar em homem morto) e "let me out!" (deixe-me sair; quem sabe McCartney gritando para sair de seu carro acidentado,.. Confira no vídeo abaixo).
Claro que Paul não tinha morrido e que as frases não existiam, mas nosso cérebro não está interessado na realidade, e sim na coerência. Todas as ilusões sensoriais (ópticas, auditivas e outras) nascem disso. Se passamos a acreditar em alguma coisa nosso cérebro distorce nossa percepção para que coisas sem significado passem a significar algo que dê coerência às nossas crenças.
Padronicidade é apenas um exemplo das dezenas de vieses ou tendências cognitivas que desviam nosso julgamento e nos convencem de realidades inexistentes. Vivemos nessa armadilha cerebral e somente o conhecimento que essas armadilhas existem pode nos ajudar. Por enquanto, fica a dica, cada vez que estamos convictos de algo, é mais do que provável que estejamos errados. É bom lembrar disso.
Sósia...
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