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sábado, 15 de outubro de 2016

Manipulados

Estou cada vez mais convencido que alguns conceitos que vêm da neurociência, incluindo claro os da moderna psicologia, devem ser transmitidos ao público. Estamos constantemente fazendo escolhas e existem interesses para que escolhamos desta ou outra forma, desde o sabonete no supermercado ao político nas urnas. Agências de publicidade usam as ferramentas que vêm da psicologia social e cognitiva para fazer nossa cabeça, e o fazem de uma forma que não somos capazes sequer de imaginar.

Uma dessas ferramentas de manipulação é o efeito de enquadramento interpretativo (framing). Tendemos a escolher entre uma ou outra possibilidade não pelo conhecimento de cada uma delas e sim pela forma como essa possibilidade é apresentada. O exemplo mais conhecido é o Problema da Doença Asiática, proposto por Tversky e Kahneman em 1981.

No experimento (social) os participantes foram convidados a imaginar que os EUA estão se preparando para o surto de uma doença asiática rara, que matará 600 pessoas. Dois programas alternativos para combater a doença são propostos. Para um grupo de participantes foi solicitado que escolhesse entre os programas A ou B. Das 600 pessoas que iriam morrer, o programa A salvaria 200. Já com o programa B haveria 1/3 de probabilidade de que as 600 pessoas fossem salvas, e 2/3 de probabilidade de que nenhuma fosse salva. 72% dos participantes optaram pelo Programa A e 28% pelo programa B.
Para um segundo grupo de participantes foram apresentados os programas C e D. Adotando o programa C, das 600 pessoas 400 iriam morrer, já com o programa D haveria 1/3 de probabilidade de ninguém morrer e 2/3 de probabilidade de que as 600 pessoas morressem. Neste caso, 78% dos participantes preferiram o programa D e 22% o programa C.

O leitor atento terá percebido que os programas A e C são iguais (e envolvem certezas), e o mesmo acontece com B e D (envolvendo risco), mesmo assim houve uma clara inversão de preferências por parte dos participantes. Por quê? De acordo com os autores, o cérebro fixa sua atenção em palavras com impacto emocional como “salvar” ou “morrer”. Se a palavra “salvar” aparece, os participantes optam rapidamente pela ação que tem menos risco (associado à palavra “probabilidade”). Se a palavra “morrer” aparece, os participantes preferem arriscar. Poucos pararam para analisar o conteúdo dos programas. Esta constatação tem uma enorme importância no mundo dos negócios e investimentos. Não à toa Kahneman foi laureado com o Nobel de Economia por seus estudos.

Mas o que tem a ver com política e eleições? Tudo. Os mesmos mecanismos de framing são utilizados pelos meios de comunicação para favorecer este ou aquele candidato. Jornalões, jornais televisivos de horário nobre, etc., não apenas estabelecem a agenda de temas de debate público, mas também são capazes, utilizando mecanismos como os demonstrados no problema da doença asiática, de favorecer uma determina interpretação dos fatos.

Temos que ficar atentos. Somos bombardeados por esse e outros mecanismos de manipulação todo dia. Vi assalariado comemorando a “PEC do teto”. Vejam como o framing é poderoso!

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