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sábado, 16 de julho de 2011

O fim da homeopatia

Nesta coluna já tivemos a oportunidade de escrever sobre homeopatia. Em 2006 comentamos um editorial do prestigioso periódico cientifico inglês The Lancet, que a atacava duramente. Em 2007 alertávamos sobre a perigosa ideia da Prefeitura de São José de Rio Preto de combater a dengue com um tipo de vacinação homeopática -finalmente proibida pela ANVISA-, e em 2009 questionávamos a alegada eficácia da homeopatia em animais. 
Entretanto, em meio a tanta propaganda positiva sobre a terapia Hahnemanniana, artigos críticos, como esses e outros poucos veiculados pela imprensa, com certeza passaram despercebidos para todos. Mas aparentemente as coisas estão mudando. A eficácia da homeopatia vem sendo colocada em xeque  pela grande imprensa, com direito a espaço no Jornal Nacional e Fantástico. O que será que aconteceu? Alguma nova descoberta? Não, nada disso. Parece apenas que a indulgência demostrada em relação à homeopatia nestes mais de 200 anos está chegando ao fim.

No Reino Unido, país com um grande número de simpatizantes, a homeopatia é oferecida no sistema público de saúde. A comunidade científica local não concorda, entretanto, que o sistema de saúde gaste dinheiro em terapias sem comprovação científica. Desde o artigo do The Lancet em 2005, as críticas das autoridades médico-científicas inglesas contra a homeopatia só aumentaram, o que levou o Comité de Ciência e Tecnologia do parlamento inglês a fazer uma ampla consulta sobre o assunto.

Nessa investigação todas as partes foram ouvidas. A poderosa Associação Homeopática Britânica enviou seus mais ilustres representantes, incluindo o Dr. Peter Fisher, diretor do Royal London Homeopathic Hospital, e anexou toda a documentação que comprovaria que a homeopatia, ao contrário do que alegam seus detratores, é sim mais eficaz que o placebo.

Depois de meses de consultas, debates e investigações, as conclusões da Comité de Ciência e Tecnologia foram devastadoras. O relatório oficial conclui que “as revisões sistemáticas e meta-análises demonstram conclusivamente que os produtos homeopáticos não apresentam resultados superiores ao placebo” e ainda que “as explicações sobre como a homeopatia poderia funcionar são cientificamente implausíveis”. Finalmente, o relatório solicita a completa retirada tanto da licença oficial, que permite ainda que produtos homeopáticos sejam vendidos como medicamentos, como dos fundos do sistema de saúde para financiar esse tipo de terapia.




Parlamento inglês recomendou fim da homeopatia
 no sistema público de saúde. 
A leitura de algumas das transcrições do processo revela trechos constrangedores. Em determinado momento, o Dr. Peter Fisher foi indagado sobre o processo de agitação (sucussão) durante o preparo de medicamento homeopático (ver abaixo). Traduzo um fragmento: “Dr. Fisher afirmou que o processo de “sucussão é importante” mas foi incapaz de dizer quanta sucussão é necessária. Ele disse “que ainda não tinha sido completamente investigado” mas nos disse que “Você tem que sacudir vigorosamente […] se você sacudir levemente não funciona.””. 

Como comenta o jornal inglês The Guardian, é difícil saber o que é mais constrangedor, um senhor respeitável afirmar algo sem sentido como isso ou o fato que mesmo depois de 200 anos os homeopatas ainda não saibam quanto de sucussão um remédio homeopático precisa para funcionar.

É importante não confundir essas críticas contra a homeopatia com alegações em relação à utilização de produtos fitoterápicos. Não existe nenhuma relação. Medicamentos fitoterápicos, quando corretamente elaborados, seguem todo o processo de validação científica e podem representar um ótimo recurso terapêutico. O problema com a homeopatia não está no fato de ela utilizar “produtos naturais” e sim a dose em que são utilizados. A química comprova que diluições homeopáticas eliminam completamente qualquer rastro do princípio ativo, natural ou não. O que o paciente acaba ingerindo -pensando se tratar de medicação- é água (ou açúcar) puríssima. Uma ótima definição de placebo!


E aqui, no Brasil, como fica? Seguindo recomendações ainda existentes da Organização Mundial da Saúde (que já dá mostras de estar perdendo a paciência com a homeopatia), nosso SUS também gasta dinheiro financiando essa terapia. Se se conclui que a homeopatia não é baseada em evidências científicas, sua manutenção em nosso sistema público de saúde fica insustentável. Não haveria justificativa para manter dentro do sistema a homeopatia e ao mesmo tempo negar financiamento para outras terapias como a pajelança, a imposição de mãos, a reflexologia podal holística, os florais de Bach e outras tantas. O fato que muitos acreditem na eficácia desta ou daquela terapia não pode ser uma justificativa para financiá-las com o contado dinheiro do SUS.

Sei que os adeptos e defensores da homeopatia alegarão que isto não passa de mais uma campanha das multinacionais farmacêuticas para nos encher de alopatia. Não duvido que a indústria farmacêutica de fato queira lucrar com nossa saúde. Temos que ser cuidadosos e críticos também com ela. Mas isso não justifica que continuemos considerando plausíveis crenças homeopáticas do século 18. É mais ou menos como querer tratar tuberculose, apendicite, ou fratura de tornozelo como se fazia em 1779. 
Provavelmente nem o bom Dr. Hahnemann, se vivo estivesse, iria aceitar. 




Fontes: 
The end of homoeopathy, The Lancet (Editorial), vol. 366, pág. 690, 2005. 
Are the clinical effects of homoeopathy placebo effects? Comparative study of placebo-controlled trials of homoeopathy and allopathy; Aijing Shang e cols., The Lancet, vol. 366, pág. 726-732, 2005. 
O relatório do Comité de Ciência e Tecnologia do parlamento inglês pode ser lido aqui http://www.parliament.uk/parliamentary_committees/science_technology/s_t_homeopathy_inquiry.cfm



Como é preparado um medicamento homeopático?

Uma das leis basilares da homeopatia é a Lei da Dose Mínima, ou dos Infinitesimais, que diz respeito à diluição do princípio ativo, o controverso princípio do "quanto mais diluído mais forte". Por causa disto, os remédios homeopáticos são preparados seguindo uma série crescente de diluições. 

Primeiro, é diluída uma parte de princípio ativo em nove de água (ou outro solvente). Os homeopatas chamam esta diluição de 1DH (decimal hahnemanniana), ou seja, uma parte em dez. Para obter uma diluição 2DH mistura-se uma parte da solução anterior em nove de água, o que resulta em solução com uma parte de soluto em 100 (1/100) de solvente. Se fizermos isto mais uma vez teremos uma diluição 3DH (1/1000) e assim por diante. Se repetirmos 100 vezes, a diluição será 100DH ou uma parte de soluto em volume de solvente representado pelo número um seguido de 100 zeros. Durante essas diluições, a solução é agitada vigorosamente (sucussão) num processo denominado "Dinamização".

Além da escala decimal, é utilizada a escala centesimal hahnemanniana. Nesta escala, uma solução 1CH é 1/100, 2CH é 1/10.000, 3CH é 1/1.000.000, etc. 
Para se ter uma ideia do que esses números representam na prática, anos atrás as autoridades sanitárias de Rio Preto (SP) iniciaram uma campanha de vacinação com um produto homeopático (Eupatorium) com diluição 30CH. Isto representa uma parte do Eupatorium em volume de solvente representado pelo número um seguido de 60 zeros. O problema é que nestas diluições tão extremas não sobram mais moléculas do soluto (Eupatorium).

Isto pode ser demostrado aproveitando os estudos do grande químico e físico italiano Amadeo Avogadro (1776-1856). Não é o caso de discutir detalhes sobre esses estudos aqui, mas eles permitem calcular quanto podemos diluir uma solução sem a eliminação completa da substância original. Estatisticamente, só é garantida a presença de pelo menos uma molécula do princípio ativo em soluções de concentração igual ou maior do que uma parte de soluto por volume equivalente ao número de Avogadro de partes de solvente, ou seja, uma parte de soluto por 602.213.700.000.000.000.000.000 partes de solvente. Isso quer dizer que a partir das diluições homeopáticas 24DH ou 12CH, a chance de existir uma única molécula do princípio ativo no medicamento é praticamente nula, e diminui ainda mais se continuarmos diluindo. 

Como estes números escapam à nossa compreensão podemos exemplificar afirmando que seria necessário ingerir bem mais de 25 toneladas do medicamento para ter certeza de ter ingerido apenas uma única molécula de Eupatorium!

Muitas vezes os homeopatas reclamam de uma postura hostil e arrogante da comunidade científica em relação a eles. Em parte, têm razão. Mas muito contribuiria para melhorar essa situação se a homeopatia conseguisse explicar como é possível que um composto que não mais existe no medicamento, possa causar algum efeito fora do efeito placebo. Quem quer jogar o jogo da ciência, deve aceitar suas regras.


Fontes: 
Agradeço ao Prof. Tibor Rabóczkay, Professor Titular do Instituto de Química (USP) pela ajuda na elaboração deste artigo. O físico e a pororoca, José Colucci Jr. (http://observatorio.ultimosegundo.ig.com.br/ofjor/ofc140220013.htm).

5 comentários:

  1. Aposto que ainda haverá pessoas, que mesmo após ler esse artigo esclarecedor e extremamente embasado, irá murmurar: "...mas minha vizinha disse que funciona, isso que importa!"

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  2. Não se trata de química mas de física. Para maior informação são necessárias 100 sucussões para liberar a força medicamentosa. Já ouviu falar em energia cinética, choque entre moléculas, estas coisas? São pensamentos como o do sr. que atrasam a evolução da ciência. Me faz recordar o quanto Nicolau Copérnico foi contestado ao levantar a hipótese do heliocentrismo. Sinto vergonha por ver um professor e pesquisador ser tão ignorante em um assunto como a homeopatia. Procure pessoas especializadas na área para te ensinar.

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    1. Caro senhor Anônimo, fiquei abismado com a sua falta de conhecimento em tudo que diz respeito à ciência. A sua ignorância atrevida é de assustar.
      Tudo que respiramos, comemos e bebemos tem energia em várias formas. Mesmo assim ficamos doentes. O que disse de tomarmos água com energia cinética é de matar de rir ou de chorar.
      Quando quiser usar um celular, uma tinta para pintar a sua casa ou uma lâmpada que seja, tente chacoalhar um monte de coisas em substituição. Assim economizará muito dinheiro.
      Tenha força de vontade e volte para a escola.
      Pedro (pesquisador em tecnologia).

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  3. Já passou da hora dessa enganação ser proibida no mundo tudo. As pessoas adoram se iludir com homeopatia, religião, esoterismo e outras coisas que as fazem sentir "completas". No fundo, tudo isso resulta do desespero e da ignorância da nossa espécie.

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  4. Peter Pan explains.

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