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sábado, 23 de julho de 2011

O que o Botox também esconde

Botox (à direita) altera a capacidade de nos comunicar
através das expressões faciais.
Imagem: http://drtakhar.com/cosmetic/botox-cambridge.php
Provavelmente muitos já sabem que Botox é o nome comercial de um cosmético à base de toxina botulínica (TB). Esta toxina entra na classe das neurotoxinas por agir diretamente no sistema nervoso. É produzida por uma bactéria, a Clostridium botulinum, e considerada a neurotoxina mais letal que se tem notícia. A TB impede que os nervos se comuniquem com os músculos de nosso corpo, de forma que estes ficam paralisados.

A TB pode ser ingerida acidentalmente em alimentos mal conservados, mas pode também entrar em nosso organismo através de feridas acidentais ou propositalmente causadas, como nos tratamentos estéticos. Em casos graves a TB provoca botulismo, que chega a ser fatal quando os músculos responsáveis pela respiração –como o músculo diafragma- são também paralisados.

A utilização da TB com finalidade estética é relativamente recente. Ao final da década de 1960 foi utilizada para tratamento não cirúrgico do estrabismo e outras condições onde era necessário diminuir a atividade de alguns músculos anormalmente contraídos. Só no início da década de 1990 é que começou a ser utilizada com finalidade cosmética.

A lógica da utilização do botox para eliminar rugas e linhas de expressão é bastante simples. Nossas expressões faciais são causadas pela contração de um conjunto de aproximadamente 20 músculos muito finos e superficiais, denominados em conjunto músculos mímicos ou da expressão facial. Cada vez que um deles se contrai movimenta a pele e forma uma ruga que é geralmente perpendicular à direção do músculo. 



A formação de rugas na fronte nesta expressão de surpresa ou espanto
 se deve à contração do músculo occipitofrontal.


Por exemplo, ao fazer cara de espanto e abrir exageradamente os olhos, contraímos o músculo occipitofrontal e com isto formam-se rugas horizontais em nossa fronte. Com o passar do tempo e o envelhecimento da pele, essas linhas de expressão vão se tornando mais pronunciadas até formarem uma marca permanente. Quando aplicamos botox sobre o músculo que provoca a ruga, este fica paralisado e em poucos dias a pele localizada sobre ele, lisa.



Sob a pele, mais de 20 músculos controlam nossa expressão facial


Como consequência colateral e lógica, sob a ação do botox perdemos parte da capacidade de nos expressar através da nossa face. Em poucas agulhadas eliminamos um processo de comunicação não verbal que a evolução levou milhões de anos para aperfeiçoar.

Alguns pesquisadores suspeitaram que esse atentado à nossa capacidade de nos comunicar poderia ter outras consequências. E parece que as suspeitas estão se confirmando.

Nesta coluna já escrevemos sobre a empatia, a habilidade que os primatas possuímos de nos colocar no lugar dos outros para entender e sentir o que os outros estão sentindo. Para isso utilizamos circuitos neuronais capazes de gerar tristeza, alegria ou sofrimento quando percebemos nosso interlocutor nessas condições. Em parte esses circuitos são acionados por um tipo muito particular de neurônio, os neurônios espelho, mas parece existir outros mecanismos.

Quando vemos a expressão de tristeza na face de nosso colega, quase de forma imperceptível reproduzimos inconscientemente essa expressão facial em nosso próprio rosto. Quando o fazemos, nosso cérebro “lê” essa expressão mediante mecanismos proprioceptivos e circuitos relacionados com a tristeza são disparados.

Com esse fato em mente, pesquisadores se perguntaram o que acontece com os circuitos empáticos quando não podemos reproduzir as expressões faciais que observamos nos outros. Para isto compararam dois grupos de pacientes. Um tinha feito tratamento estético com botox e outro apenas preenchimento de rugas (Restylane) sem botox, de forma que seu rosto não ficou paralisado. Foram exibidas então fotografias de pessoas com diferentes expressões. Os pesquisadores observaram que os pacientes tratados com botox tinham diminuído sua capacidade de reconhecer as expressões nas fotografias em relação ao grupo “Restylane”.

Que fica difícil reconhecer sentimentos em um rosto semiparalisado por botox é algo que muitos já tiveram oportunidade de observar. Mas que o usuário de botox não consiga entender a expressão facial dos outros - e é isso que este estudo indica-, é bem menos óbvio.

Agora os autores querem averiguar como essa consequência adicional do botox interfere na vida conjugal. Se quem usa Botox não consegue perceber o que seu parceiro está sentindo, isso poderia gerar algum tipo conflito? Particularmente, acho um certo exagero por parte dos pesquisadores. Como vimos, há mais de um mecanismo para ativar esses circuitos e “sentir na pele” o que o outro está sentindo. Em nosso dia a dia não criamos empatia pela análise de fotografias –como no estudo- e sim por uma quantidade bem maior de elementos de comunicação verbal e não verbal.

Se bem o experimento inicial reforça a importância dos circuitos empáticos, estender o alcance das suas conclusões para o mundo dos relacionamentos reais exige cuidados especiais. Caso contrário o novo estudo poderá ser sério candidato ao prêmio IgNobel


Fonte: Embodied Emotion Perception: Amplifying and Dampening Facial Feedback Modulates Emotion Perception Accuracy. Neal, DT e Chartrand TL. Social Psychological & Personality Science, April 21, 2011, doi: 10.1177/1948550611406138

8 comentários:

  1. Texto bem escrito e interessante!!!

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  2. Até a beleza tem seu lado ruim!
    Muito bom o texto publicado. Passei para deixar um abraço e dar as boas vindas a Cia dos Blogueiros.

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  3. Olá, doutor! Passei para dizer que eu sou a sua leitora, mais do que leitora porque eu recorto alguns dos seus artigos e os guardo. Num passado, bem passado sem deixar nenhuma ruga pelo ferro, numa clínica de estética em que eu passei... na frente, disseram-me que o botox também estava sendo cogitado para os seios e os bumbuns. Levando-se em conta que nessas áreas não há expressão( ou eu me engano?) há alguma pesquisa desacreditando esse procedimento também?
    Obrigada
    Rita Lavoyer

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  4. Oi Rita. Obrigado.
    Estou muito longe de ser um especialista no assunto, mas que eu saiba o botox nas nádegas é utilizado para tratar algo que os clínicos denominam "Síndrome de músculo piriforme" (ou síndrome do bumbum sarado). Este músculo fica hipertrofiado naqueles que exercitam muito a região glútea. Com isto o nervo ciático que passa por aí fica comprimido o que provoca dor nessa região e no membro inferior. O botox injetado no músculo piriforme provoca sua paralisia temporária liberando assim o nervo e melhorando os sintomas. Desconheço completamente dados científicos sobre a utilização de botox com finalidade estética nessa região, ou nas mamas. Se alguém souber, que poste aqui.
    Abraço

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  5. Olá, doutor Roelf. Muito obrigada pela resposta.
    Rita Lavoyer

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  6. Eu prefiro ficar nova do que demonstrar minhas expressoes faciais!

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  7. Você prefere se parecer com uma boneca do que viver!?

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