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domingo, 28 de agosto de 2011

Homeopatia funciona em animais?

Como já mostramos nesta coluna, para a maior parte da comunidade científica a homeopatia, quando funciona, o faz através de sugestão e efeito placebo. Isto porque quimicamente o medicamento homeopático de tão diluído perde qualquer possível efeito farmacológico. De fato, na maioria das concentrações homeopáticas utilizadas, não existe sequer uma única molécula do princípio ativo.

Curiosamente esta é, na realidade, a própria definição do termo placebo: “preparação neutra quanto a efeitos farmacológicos, ministrada em substituição de um medicamento, com a finalidade de suscitar ou controlar as reações de natureza psicológica, que acompanham o procedimento terapêutico.”

Mas e em animais? Eles também foram “convencidos” pelo veterinário homeopata? O gado entrou na conversa? Impossível, claro. Temos aqui então uma situação intrigante. Por que os animais melhoram tomando um medicamento que basicamente contem água puríssima?

Antes de tudo, devemos tomar cuidado com o termo “melhoram”. Os animais podem melhorar por vários motivos. O dono do bichinho pode notar melhoras após o tratamento homeopático -principalmente quando o próprio dono é adepto à homeopatia- por diversas causas não associadas à medicação.

Por exemplo, tratando-se de uma doença benigna, estas costumam ter um ciclo (em humanos também) onde o animal piora, chega ao “fundo do poço” e a partir daí vai melhorando. Assim, quando ministramos o medicamento (homeopático ou não) temos a impressão que o animal melhorou por causa do remédio, quando na realidade foi uma reação natural do organismo.

Ao mesmo tempo, ao saber que nossa mascote está doente, geralmente lhe dedicamos uma maior atenção, mudamos sua dieta, somos mais afetuosos e atentos com o animal, etc., o que também exerce uma ação terapêutica real.

Mas em parte, essa explicação parece não se aplicar a um rebanho. Difícil acreditar que o dono da boiada seja especialmente afetuoso com todos os animais tratados. Neste caso, se há melhora esta tem que obedecer outros motivos, entre os quais, quem sabe, a ação do medicamento homeopático.

Para checar esta possibilidade existe apenas uma forma: testes clínicos amplos, independentes, tipo duplo-cego, com controles adequados, correta análise estatística, e publicados em revistas científicas sérias. É difícil na literatura médica encontrar trabalhos homeopáticos que atendam esses requisitos. Entre estes, parecem ser poucos os favoráveis à homeopatia (na rápida pesquisa que fiz, não achei nenhum).

Em 2003 o Instituto Nacional de Veterinária da Suécia realizou um desses estudos clínicos testando o remédio homeopático Podophyllum, utilizado para curar a diarréia em bezerros, e não encontrou nenhuma evidência que suportasse a eficácia da homeopatia.

Em outro estudo realizado em 2005, um grupo de cientistas da Universidade de Cambridge, no Reino Unido, testou um medicamento homeopático -com os cuidados experimentais descritos anteriormente- com o objetivo de verificar qualquer sinal de melhora no úbere de vacas acometidas com mastite, analisando o número de leucócitos -glóbulos brancos- encontrados no leite (em vacas com mastite, por causa da infecção um número apreciável dessas células do sangue passa para o leite, o que serve como indicador da doença), e a conclusão foi que a homeopatia não foi mais eficiente quando comparada com o placebo.

Além dessas abordagens mais independentes, mesmo revistas científicas destinadas a trabalhos de terapias alternativas ou complementares -onde geralmente os homeopatas publicam seus estudos- reconhecem que a eficiência da prevenção ou tratamento homeopático em medicina veterinária não tem suficiente suporte de estudos clínicos (uma forma delicada de dizer que não funciona).

Resumindo, a homeopatia, embora cada vez mais popular -e ao que parece também entre os veterinários- continua tendo o privilégio de ser a única especialidade médica sem ter a obrigatoriedade de apresentar evidências científicas sólidas que a sustentem, contrariando os princípios da MBE (medicina baseada em evidências).

No caso da medicina veterinária, alguns profissionais bastante irritados com esse fato partiram para a brincadeira e criaram (na Inglaterra) a Sociedade Britânica de Veterinária Vudu (The British Veterinary Voodoo Society). Com o típico humor inglês, reivindicam a possibilidade de realizar tratamentos não diretamente no corpo dos animais e sim através de bonecos vudu.

De acordo com eles, se os homeopatas têm autorização de tratar animais com medicamentos “mágicos”, por que eles não?



Fontes: No Effect of a Homeopathic Preparation on Neonatal Calf Diarrhoea in a Randomised Double-Blind, Placebo-Controlled Clinical Trial. K .de Verdier e cols., Acta Vet Scand. 2003, 44: 97–101.

Controlled clinical trial of the effect of a homoeopathic nosode on the somatic cell counts in the milk of clinically normal dairy cows. M.A. Holmes e cols., Vet Rec., 2005, 156:565-7.

Immunology and Homeopathy. 3. Experimental Studies on Animal Models. P. Bellavite e cols., Evid Based Complement Alternat Med. 2006, 3:171–186
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15 comentários:

  1. muito bom este material!!!

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  2. Suas pesquisas não são coerentes!

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  3. Espero que voces postem os comentarios contrarios, mas questionando sua tese, se é que podemos assim chamar, se os animais logo irá curar-se sozinho devido ao afeto do seu dono, qual seria então a explicação para os medicamentos alopáticos?, o Sr,Dr não acha que está em contradição? E se alguem consegue curar-se apenas com "afeto" pra que remedio então?????

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    1. Anônimo (que tal se identificar??). Não entendi muito bem tua colocação. Existe uma explicação plausível para o funcionamento dos medicamentos alopáticos. Sabemos bem como funciona um antibiótico, por exemplo. Mas não existe explicação científica para explicar o funcionamento de um "medicamento" homeopático que não tem produto ativo (fora o efeito placebo, que tb pode existir na alopatia, claro).

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  4. Existe o efeito placebo tb em animais. Da mesma forma que em humanos, os animais reagem positivamente a testes duplo-cego, quando recebem placebo. Índico a leitura do artigo intitulado "compreendendo o efeito placebo nos animais e humanos", de Ribeiro et al.

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  5. Caro Autor,
    Se desacreditam da prática, porque critica-la?
    Em relação aos artigos citados pelo autor, contradigo, afirmando que existem muitos artigos, com estudos duplo-cego, com provas de que medicamentos homeopáticos funcionam. Os artigos que leu, são medicamentos que estão sendo TESTADOS, assim como a alopatia. Com citação de 2 ou 3 artigos você não pode afirmar que a homeopatia não funciona, não é mesmo? Sugiro que leia um pouco mais, ok?
    Algumas referencias:

    The in vitro evidence for an effect of high homeopathic potencies--a systematic review of the literature.

    Effects of the utilization of homeopathic elements in commercial diluent on swine sperm viability

    Modulation of inflammation response to murine cutaneous Leishmaniasis by homeopathic medicines : Antimonium crudum 30cH

    Homeopatia nas doenças epidêmicas: conceitos, evidências e propostas


    Mercurius solubilis: Actions on macrophages

    Uso do nosódio Meningococcinum como preventivo contra a meningite meningocócica

    E o mais interessante, que compila e explica como FUNCIONA a homeopatia.

    Painel científico da homeopatia publicado pelo Homeopatia Baseada em Evidencias. Autor: Wassenhoven, Michel Van.


    De fato, ainda temos muito a aprender. Espero continuar aprendendo.
    Att.
    Karinne

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    1. Oi Karinne, obrigado pela visita.
      Sobre as referências que você cita, dei uma olhada naquelas que estão indexadas.
      The in vitro evidence for an effect of high homeopathic potencies--a systematic review of the literature, e Modulation of inflammation response to murine cutaneous Leishmaniasis by homeopathic medicines: Antimonium crudum 30cH, foram publicadas em revistas que sabidamente defendem e patrocinam a homeopatia (Complement Ther Med. e Homeopathy).
      Já Effects of the utilization of homeopathic elements in commercial diluent on swine sperm viability menciona na próprio abstract menciona "Interestingly, no positive effect of homeopathic treatments was observed over semen viability".
      Recomendo que você procure revistas mais isentas. Uma revista chamada Homeopathy vive (economicamente) de artigos que defendem a homeopatia. E aqui é uma questão apenas de encontrar evidências testáveis e verificáveis, sem torcida. A homeopatia até agora falhou nesse quesito.
      Obrigado pela visita.

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  6. Sinceramente o que mais impressiona é o fato de alguns cientistas se entregarem a perder o tempo precioso deles intentando alguma coisa com produtos homeopáticos, já que qualquer pessoa que pense racionalmente tergiversaria. Como qualquer pseudociência, a homeopatia é crença, não é ciência. Lembro-me do passado em ter visto dono de fazenda chamando o curandeiro local para tratar um familiar doente, enquanto quando a doença era de um animal chamava o veterinário.
    Trazendo a tona um comentário de Al Capp, “a arte abstrata é o produto do sem talento, vendido pelo sem princípios para os imensamente estupefatos”. E desfigurando para o tema: “a homeopatia é feita por incompetentes delirantes, vendida por inescrupulosos e comprada por ignorantes”.

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  7. Aliás, a homeopatia, religião, florais de Bach, curandeirismo e todas as outras formas de curas milagrosas, deveriam ser contemplados pela lei como estelionato.

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  8. O maior problema do materialismo é a necessidade de explicar aquilo que ele não pode explicar. Tudo que sai daquele tipo de paradigma materialista é considerado fraude. O que não pode ser exaustivamente testado não pode ser verdade. O problema é que a ciência atual sofre do "paradigma da terra plana". Os grandes phds se acham donos da verdade como se tudo que pudesse ser descoberto já tivesse sido.

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    1. Intentar entender o que é verdade ou não, não determina que se achem donos da verdade, senão que têm mais possibilidade de determinar uma verdade com mais precisão do que alguém que prefere imaginar que a mágica possa resolver problemas reais.
      Nunca vamos ter a resposta para tudo, já que a vida é um movimento constante e por isso sempre haverá algo novo para descobrir.
      Isso de que a ciência atual sofre do “paradigma da terra plana”, concordamos plenamente, já que o problema da ciência é que há muitas pessoas que acreditam que a Terra é plana, sendo assim fica muito difícil que pensem de forma coerente e objetiva, fazendo que milhões de pessoas sofram anualmente pela própria ignorância.
      Se pensarem que por tomarem gotas de água com memória (?) do produto primordial que sugere seu nome, que nem Avogadro conseguiria pensar, e assim sentem-se aliviados ou curados, não sendo um problema psicossomático, que até alguma bruxaria, pastor ou padre poderiam resolver, sem dúvidas precisam de um bom Psiquiatra e um verdadeiro atendimento médico urgente.
      Resulta tonto falar com pessoas que não tiveram o mínimo de vontade de saberem do tema que estão falando; poderiam ter essa delicadeza.
      A Ciência levou trinta anos para demonstrar a existência do Bosão de Higgs, e só algumas semanas para demonstrar que a homeopatia não serve para nada. O Bosão de Higgs desde o começo tinha um fundamento lógico que tinha que ser demonstrado ou não a sua existência. A homeopatia não tem nada para ser demonstrado, porque não tem base lógica nenhuma a não ser um delírio.
      Resulta irônico o fato de que alguém que se queixa da ciência, utiliza a ciência para queixar-se.

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  9. Não acredita? Então não a use. Simples assim. Eu acredito, porque já precensiei a melhora e até a cura de doenças com medicamentos homeopáticos tanto em humanos quanto em animais.

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    1. Que alguém afirme que algo é real, não quer dizer que seja real. Também não sabemos o que pode ser considerado de melhora , já que uma pessoa triste e abatida pode ficar enérgica e agressiva com um tapa. Nós não acreditamos na Ciência, só sabemos que esta é a nossa única ferramenta para observar a realidade de forma objetiva.
      Sabemos que é mais simples ignorar do que esforçar-se para conhecer. Mas a lógica e a inteligência determinam que a ciência seja o caminho a ser seguido para a compreensão e o conhecimento da realidade, não as crenças.
      Acreditar que pode voar e pular de um prédio são coisas diferentes, porque podes ignorar a gravidade, mas neste caso não por muito tempo.
      Temos visto muitos casos de anormais cronologicamente adultos de terem dado para crianças essas coisas acreditando nos seus poderes mágicos e terminaram promovendo uma tragédia. O próprio Steve Jobs morreu tomando essas tonteiras, em vez de aceitar a intervenção quimioterápica que poderia realmente ter perpetuado a sua existência.
      Só podemos acreditar naquilo que gostaríamos que fosse real e não podemos comprovar.
      Muitos científicos fizeram testes dos produtos homeopáticos intentando encontrar alguma coisa além de memória, e nos casos mais graves encontraram álcool e açúcar. Neste lance poderíamos chegar a um acordo, já que por experiência própria devo admitir que tenha me tratado de problemas particulares de forma momentânea, com excelentes resultados por tempo determinado, mas que não deixam de ser uma prova da possível transformação psicológica provocada pela ingestão de um produto homeopático puro, sem nenhum X, com seu nome em latim Citrum Hikis ou Hikis Citrea, comumente chamado de caipirinha de limão. É o mais perto que conseguimos chegar à homeopatia.

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    2. Isso de intentar convencer pessoas com mentiras é moralmente visto como muito feio, e ainda intentá-lo com pessoas que pensam cientificamente, é muito estúpido. O desejo de que alguém se cure com algumas gotas d’água é por demais absurdo. Claro que nos toca ser solidários com pessoas que acreditam em magia. Sabemos que vivemos numa sociedade na qual a maioria das pessoas acredita em magia. Mas, ainda bem que alguns conseguem escapar e observar do lado de fora que a crença é um vírus, do tipo zika, que não permite que as pessoas consigam entender pela lógica e a inteligência que podemos observar a realidade sem ilusões ou delírios. Essa microcefalia promovida, não por um mosquito senão por verborragia, se dissolve junto com os duendes, fadas, unicórnios, magos, gigantes, deuses e demais seres imaginários da infância, que ao não serem prevenidos na puberdade sobre a diferença entre realidade e ilusão, termina provocando nos adultos o sucesso observado. E aí um paradoxo, já que poderíamos pensar que são vitimas de pena, más ao contrario, a pena deveria ser considerada para os outros, neste caso, para nós mesmos, ou seja, aqueles que pensamos cientificamente.

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  10. As redes sociais são um celeiro aberto à verborragia. Aos céticos é sempre bom lembrar que quando o médico diz à família: "Não há mais nada que eu possa fazer", vimos muitos familiares e o próprio doente que se dizia agnóstico e não adepto a outro método de cura, socorrendo-se de homeopatia, curandeirismo, orações, novenas, etc. Aí sim, o fragilizado consegue enxergar o quanto ele é ignorante.

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