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sábado, 6 de agosto de 2011

Por que tantos idosos são vítimas de fraude?

“Ancianos estafados con billete de lotería” (Argentina)


“Idosa é vítima de golpe e perde R$20 mil”


“Idosa cai no golpe do bilhete premiado e entrega R$26.500 a bandidos em Minas Gerais”

“Idoso perde R$120 em golpe da pulverização em Sarandi”

“Estafaba ancianos con fondo de pensiones” (Espanha) 

Estas são manchetes de jornais eletrônicos selecionadas em uma rápida pesquisa via internet. Não importa o país, faixa socioeconômica, religião, perfil cultural. Idosos são alvo preferencial de golpistas e estelionatários. Por quê?

Inicialmente acreditava-se que essa “ingenuidade” estava relacionada com sintomas iniciais de mal de Alzheimer ou algum outro tipo de doença degenerativa associada ao envelhecimento. Mas estudos recentes revelaram que este parece não ser o caso. Quando entrevistados, idosos vítimas de fraudes demonstraram níveis de memória e discernimento normais.

A caraterística comportamental que prevalece nesses casos é que a vítima do golpe decide pelo ganho imediato sem avaliar corretamente as consequências futuras da sua ação. E isto lembra muito ao que ocorre com pacientes com lesão na região mais anterior do cérebro, o córtex pré-frontal.

Nesta coluna já comentamos a importância dessa área cerebral em processos relevantes do nosso comportamento, como a capacidade de julgamento, avaliação moral, planejamento de ações futuras. Através da história de pacientes como Phineas Gage, Elliot e outros, aprendemos que lesões nessa parte do cérebro prejudicam nossa capacidade de tomar decisões. Os benefícios imediatos se sobrepõem a qualquer outro aspecto e a avaliação de possíveis danos futuros fica comprometida. Como consequência, embora nenhuma outra capacidade mental seja afetada, a vida social se torna caótica devido a tantas decisões erradas que vão sendo tomadas em aspectos relevantes do dia a dia.

Posteriormente pesquisadores observaram que essa incapacidade de avaliar as consequências futuras das nossas ações priorizando benefícios imediatos era também observada no comportamento de boa parte de jovens normais, ou seja, jovens sem nenhum tipo de lesão cerebral. O motivo? Embora não exista lesão neste caso, foi detectado que a circuitaria que conecta os lobos frontais com outras regiões do cérebro fica completamente funcional apenas a partir da segunda década de vida. Com isto o fluxo de informações necessário para avaliar e decidir não circula entre as diferentes partes do cérebro do jovem com a velocidade e precisão necessárias.

Pesquisadores se perguntaram então se o alto número de idosos vítimas de estelionatários poderia estar também relacionado a alterações do cérebro, não generalizadas como as observadas no mal de Alzheimer, mas localizadas em pequenas áreas responsáveis pelo processo de tomada de decisão.

Para testar esta possibilidade foi selecionado um grupo de 80 adultos normais com idade entre os 55 e 85 anos. Os testes psicológicos foram baseados em jogos onde era avaliada a tendência desses voluntários em fazer apostas menos arriscadas que permitem pequenos ganhos, ou apostas onde o ganho inicial é grande, mas o resultado final é uma inevitável perda financeira. Indivíduos normais, depois de algumas rodadas, conseguem perceber que apostas arriscadas nunca compensam. Já pacientes com lesão no córtex pré-frontal insistem com as jogadas arriscadas, mesmo quando se encontram com uma dívida enorme. Os pesquisadores observaram que entre o grupo de voluntários idosos, entre 25 a 30% se comportavam como os pacientes com lesão pré-frontal e escolhiam as cartas mais arriscadas.

Em um segundo experimento foram apresentados diversos anúncios publicitários. Alguns continham informações corretas, já outros tinham sido proibidos pelas agências de proteção ao consumidor por se tratar de propaganda notoriamente fraudulenta. Ao analisar os anúncios o mesmo grupo que no experimento anterior não conseguia avaliar o risco das suas apostas, mostrou desejo de adquirir os produtos oferecidos nos anúncios fraudulentos, enquanto que o restante dos voluntários percebeu que se tratava de publicidade enganosa.

Finalmente 48 voluntários do experimento (24 do grupo de “decisões erradas” e 24 do grupo de “decisões corretas”) foram examinados mediante aparelhos de ressonância magnética funcional e tomografia de emissão positrônica que permitem visualizar o nível de atividade cerebral. Os resultados indicaram que voluntários do grupo de “decisões erradas” tinham uma menor espessura e uma diminuição da atividade no córtex pré-frontal, reforçando a hipótese de uma base biológica para esse comportamento de risco.

Vista interna do cérebro de um idoso vulnerável à fraude.
Em azul, áreas do encéfalo (incluindo
 o córtex pré-frontal à esquerda) 
com atividade reduzida.
Fonte: David Rudrauf, Ph.D., Brain Imaging Laboratory,
University of Iowa Carver College of Medicine.


A partir dos resultados os autores sugerem que tanto as famílias quanto as autoridades deveriam tomar medidas para proteger este grupo da população com vulnerabilidade acentuada à fraude. Nem sempre é fácil diferenciar essa vulnerabilidade do consumismo exagerado, porém “normal”. Quem a sofre costuma não perceber seu problema, mesmo ele sendo muito evidente (anosognosia). A família tem que ficar atenta com alguns sinais como acúmulo de folhetos publicitários, quantidade exagerada de compras eletrônicas e consultas de telemarketing, saques frequentes na conta corrente. Já as autoridades devem continuar seu trabalho não apenas contra os estelionatários, mas também regulando a publicidade que embora pareça legal costuma ser predatória.



Fonte: N. L. Denburg, C. A. Cole, M. Hernandez, T. H. Yamada, D. Tranel, A. Bechara, and R. B. Wallace, “The Orbitofrontal Cortex, Real-World Decision-making, and Aging,” Annals of the New York Academy of Sciences 1121 (2007): 480-498.

5 comentários:

  1. Parabéns Roelf,

    Esse seu trabalho de divulgação científica é de grande utilidade pública.

    Alexandre Denadai

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  2. Achei interessantissimoo tema, como os estudos. Parabens pela materia.
    Grata, Roelf.

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  3. Bom dia,

    Gostaria apenas de acrescentar a minha opinião baseada apenas em experiência em cuidar e dar atenção a idosos.
    A maioria dos idosos pode ser enganada facilmente por uma questão mais simples que anosognosia, eles estão vulneráveis pela falta de atenção dada a eles, não por culpa dos familiares, mais pela vida agitada e corrida que precisam levar. Os idosos conversam com qualquer um que lhes possa dar o mínimo de atenção possível, ficando muito mais fácil se deixar cair em artimanhas.
    Já presenciei casos em que eles até percebem que algo está errado, mais o prazer em estar sendo ouvido é maior que a própria razão.

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