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sábado, 31 de agosto de 2013

Os cubanos vêm aí

Que você acha dessa história toda dos médicos cubanos que a Dilma quer trazer? 

Essa foi a pergunta que me fizeram dias atrás, e eu, francamente, não soube que responder. Tenho acompanhado o assunto com um certo desinteresse. Dependendo do espectro ideológico de quem analisa essa questão (e dos seus interesses particulares) os médicos cubanos variam desde guerrilheiros comunistas despreparados a anjos socialistas do terceiro milênio.

Como sempre, muita versão e pouco fato. De todo este barulho, umas poucas conclusões: a) temos uma carência localizada de médicos, o que afeta a população mais pobre e carente do Brasil; b) para alguns tudo o que vem de Cuba é bom; c) para alguns tudo o que vem do PT é ruim.

O fato também bastante óbvio é que a classe médica tem se mostrado para lá de corporativa. Não apenas desconfia dos médicos cubanos, mas também dos profissionais da saúde brasileiros que não sejam médicos (a tentativa de impor o chamado “Ato Médico” é um exemplo disso). Nada contra o corporativismo. Existe em todos os lugares. O problema é quando ele quer se sobrepor aos interesses gerais. No Brasil isso é muito comum mas não deveria ser aceito pela sociedade.

Temos também os vergonhosos episódios de xenofobia antilatino-americana que agora mostrou sua cara. Quanto isso está - infelizmente -interferindo no julgamento de muitos? Não sei.

Em meio a tanto interesse e preconceito implícito ou explícito, fica difícil fazer uma análise isenta. Então, é isso, não tenho ainda uma opinião formada sobre o assunto.

Uma coisa parece clara: nosso país tem carência de profissionais capacitados em muitas áreas. A engenharia, por exemplo, é uma delas. Não temos suficientes engenheiros e abrir novos cursos não resolve. Entre outros motivos, temos poucos (bons) engenheiros porque nossos alunos são muito ruins em matemática (ver aqui). E isso vem de uma carência do ensino fundamental e médio. Resolver esse problema (caso exista interesse) pode demorar décadas. Mas precisamos engenheiros agora. Sem eles o Brasil não conseguirá se desenvolver tecnologicamente e estes são tempos dominados pela ciência, a tecnologia e a inovação. Teremos que importar profissionais como os Estados Unidos, Austrália e outros tantos países que precisavam se desenvolver fizeram. Os engenheiros daqui vão protestar, claro.

Mas agora - me desculpem - vou fazer uma análise egoísta. Quem sabe esse assunto dos médicos cubanos não me preocupe muito porque dificilmente serei atendido por eles. Nesse contexto, o que me preocupa são os médicos daqui mesmo.

Mais da metade dos profissionais formados em São Paulo não teriam condições de exercer a medicina, mas estão exercendo. Um deles pode estar cuidando da sua saúde agora. Suponho que em outras partes do Brasil a situação deva ser igual ou pior. A revelação não e minha, é do próprio Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (CREMESP). Este realiza um exame obrigatório no final do curso. No de 2012, dos 2400 formandos do estado que fizeram a prova, 54,5% não atingiram a nota mínima. E ela nem era lá grande coisa: seis.

Se fosse um exame como o da OAB, eles não poderiam exercer a medicina. Mas no caso do exame do CREMESP, ir muito mal não impede exercer. Mais, de acordo com o presidente do CREMESP, Renato Azevedo Júnior “É uma prova de nível fácil para médio. Aquele aluno que não consegue acertar 60% de uma prova desse tipo tem sérios problemas na sua formação e vai ter dificuldades para atender as pessoas”. Mas atende. E ainda: os erros se concentraram em áreas como saúde pública e clínica médica, que ensina como atender um paciente.

Infelizmente o CREMESP não divulga – talvez seja legalmente impedido, não sei - os nomes desses recém formados que “tem sérios problemas na sua formação e vão ter dificuldades para atender as pessoas”, nem os resultados das faculdades. Não parece correto que sabendo da incapacidade deles nos exponha a sua imperícia e ignorância clínica mesmo assim. 


O CREMESP exige que quem se forma em medicina em outro país deve comprovar que possui as competências e habilidades mínimas para o exercício profissional. Está correto. Só não faz sentido excluir os brasileiros desta exigência.

3 comentários:

  1. Prezado Roelf, como sempre, sua visão sobre os fatos revela a inteligência rara de quem vê a vida com outros olhos. E isso não implica ser doutor ou possuir diplomas, quase sempre "títulos de vento" (tenho um poema a respeito disso) que nada contribuem para a conscientização de si mesmo e do mundo. Sobre os médicos cubanos, tenho a certeza de uma coisa: são médicos, e são humanos, o que me importa a língua deles! O sentimento de nacionalidade é burro quando ultrapassa meros detalhes. Somos todos companheiros da mesma miséria e sobreviventes numa pedra... chamada Terra.

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    1. Obrigado Alaor. Ou como diria o Carl Sagan, somos poeira de estrelas vivendo num pálido ponto azul. O Carl tb era um poeta rsrs.
      Abraço.

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  2. Texto Genial. Parabéns Roelf.

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