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domingo, 6 de março de 2016

Um cocô muito caro

Não tenha dúvidas, vitaminas como a A, C, D; minerais como zinco, ferro e outros, são fundamentais para o bom funcionamento do nosso sistema imunológico, da mesma forma que são fundamentais para o bom funcionamento do sistema nervoso, circulatório, digestório e todos os demais. Se mediante exames específicos fica comprovado que existe deficiência de algum desses nutrientes (geralmente uma dieta normal dá conta da ingestão diária necessária de todos esses elementos), será necessária sua reposição. Mas segundo reportagem do jornal inglês The Guardian, no embalo desse fato muitos fabricantes de suplementos alimentares nos vendem outra ideia. Pelo que lemos, a ingestão adicional desses suplementos manufaturados teria a capacidade de “turbinar” nossa imunidade, melhorando nossa resistência às doenças. Seria legal, mas pelo que sabemos até agora, isso não funciona.

Para entender o porquê, temos que entender pelo menos superficialmente com nosso corpo se protege de vírus, bactérias, células tumorais e outros patógenos e substâncias estranhas. Nossa resistência a todos esses inimigos pode ser dividida em inata e adquirida. A primeira a responder costuma ser a inata, também conhecida como inespecífica. Ela não é lá muito eficiente para eliminar um germe em particular. Ao contrário, age no corpo todo (daí o nome inespecífica). Sob seus efeitos, nossas mucosas (principalmente olhos, nariz e garganta) inflamam, lacrimejamos, o catarro aumenta, temos febre e junto com todo isso vem esse mal-estar e letargia que nos pede para ficar na cama, resguardando-nos assim do ataque de algum outro micróbio. Se um desses suplementos nutricionais aumentasse esse tipo de imunidade ficaríamos mais inflamados, com mais catarro, com mais febre e nos sentindo ainda pior. Felizmente eles não cumprem o que prometem. Na realidade, geralmente tomamos remédios para cortar todos esses sintomas e não aumentá-los.

Se os suplementos não turbinam esse tipo de imunidade inata, será que turbinam a adquirida? Esta sim é bem eficiente. Os protagonistas são umas células do sangue chamados linfócitos (células B e células T). Elas são capazes de reconhecer especificamente o agente invasor e atacá-lo numa luta célula x micróbio, ou mediante a produção de anticorpos específicos contra o agressor. Além da especificidade, estas células têm outra caraterística: a memória imunológica. Depois da luta, uma boa quantidade desses linfócitos fica circulando pelo nosso corpo com a memória do micróbio contra o qual lutaram. Assim, quando o mesmo micróbio nos invade novamente (isto pode ocorrer anos depois do primeiro encontro), elas se reproduzem e lançam um ataque imediato, tão certeiro que geralmente os germes são eliminados sem sequer termos tido qualquer dos sintomas listados no início deste artigo.

Mas será que existe alguma forma de “turbinar” este tipo de imunidade tão importante? Sim, as vacinas fazem isso. Quando nos vacinamos introduzimos em nosso corpo fragmentos ou formas atenuadas de vírus ou bactérias, provocando a reação imunológica específica e criando células de memória. Uma vacina de reforço algum tempo depois é suficiente para manter a memória imunológica de forma que ficamos protegidos do agente agressor. Mas como esses suplementos alimentares não são fragmentos de vírus ou bactérias, eles não podem ajudar tampouco neste tipo de imunidade.

Mas então, fora as vacinas, que podemos fazer para nos proteger das doenças? Basicamente, aquilo de sempre. Uma alimentação equilibrada, exercícios físicos regulares e, sem sermos obsessivamente limpos, termos cuidados básicos de higiene como não espirrar sobre os outros, lavar as mãos antes de comer (aliás, o que pouquíssimos fazem, mesmo em restaurantes por quilo, onde isso deveria ser obrigatório!!!), nada que não tenhamos aprendido junto com as regras básicas de educação e higiene. Fora isso, na medida do possível fuja do estresse. Quando estamos estressados liberamos um hormônio chamado cortisol, e temos dados que indicam que ele tem uma ação negativa em relação à nossa imunidade. No inverno fuja das aglomerações. Gripes e resfriados aumentam nessa época do ano provavelmente não pelo frio, mas por ficarmos em espaços fechados com gente já doente, o que nos expõe ainda mais aos vírus.

É isso. Como comenta um especialista no artigo do The Guardian, gastar seu dinheiro se entupindo de suplementos alimentares fará na melhor das hipóteses que você faça um cocô muito caro, mas sua imunidade continuará a mesma.


Fonte: 
Why bingeing on health foods won’t boost your immune system. Dara Mohammadi. The Guardian/Science, 24/01/2016

Agradeço também meu colega da UNESP, o infectologista Alexandre Naime Barbosa pela ajuda na elaboração deste artigo.

2 comentários:

  1. Estou ha um tempo querendo escrever sobre o tema, já que nos atinge de sobremaneira e faz parte importante das nossas vidas. Não gosto de falar no particular, mas nesta ocasião deverei tornar-me exemplo, espero que para o bem de algumas pessoas.
    Como já é sabido, as pessoas que entram neste tipo de sitio devem ter como base o pensamento científico. No particular, levo isso para a própria vida. Não como carne a mais de trinta anos, e ha uns sete anos passei por uma quimioterapia. Desde então a minha alimentação diária é baseada em: café da manhã – vitamina de frutas com água, pão integral e queijo; almoço – salada de alface e tomate com limão exprimido, queijo, torrada integral, verduras cozidas em forma de salada russa, banana e uvas; janta – sopa de legumes, torradas; e a sede é apaziguada com água. Isso é básico e passo messes neste esquema. Algumas vezes, sobre tudo quando viajo, termino comendo outras coisas como pizzas, tortas, bolos, arroz e feijão, mas se não tiver outra oportunidade. Também algo que faço normalmente e não é necessário é tomar cerveja ou vinho. Também, ninguém é de ferro. Vou fazer cinqüenta e cinco anos, e tenho mais força do que normalmente têm as pessoas. Aliás, trabalho em afazeres de esforço físico diário. Os suplementos que uso é vitamina D, já que não posso tomar sol e hormônio da Tireóide, a qual perdi na quimioterapia. Quero dizer que o corpo é como um carro, colocando o combustível certo ele funciona de forma correta. Não preciso fazer exercícios extras já que o meu próprio trabalho é esforçado. O resto é manter a mente desperta com boa leitura, boa música e viver mais um pouco com a mente e o corpo sadios para curtir meu neto.
    Uma vida sadia é primordial. Um pensamento Epicurista “prazer como primordial”. Só que o hedonismo de Epicuro refere-se ao prazer pelo simples. Sendo o maior prazer a saúde. Qualquer coisa a mais do que o necessário (como condimentos, comidas exóticas, etc.), porstitui o corpo, tendo sempre que procurar mais e mais para um prazer novo. Sentir prazer na sede quando bebendo água. Sentir prazer na fome com um prato de sopa. Um bom banho. Um bom descanso.
    O pensamento Epicurista determina três coisas: o natural e necessário; o natural e desnecessário; o não natural e desnecessário.
    Como natural e necessário podemos dar como exemplo a água.
    Como natural e desnecessário podemos dar como exemplo o sexo. (é mais gostoso com, mas poderíamos sobreviver sem).
    E como não natural e desnecessário podemos dar como exemplo (hoje) um carro Ferrari ou uma bolsa Prada.
    O corpo pode ser comparado com uma máquina que precisa de determinado combustível. E se conseguirmos sentir prazer no necessário, que mais podemos querer? O primordial além de simples é melhor e mais barato.
    Bom, quando comecei a fala de Epicuro, abri uma garrafa de vinho escutando Beethoven. Vou parar por aqui.
    Abraços.

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    1. Legal amigo Luzisfer. Mas sexo não é desnecessário. Das atividades que ativam o sistema de recompensa, o sexo é que permite a maior liberação de dopamina. O corpo nos premia dessa forma porque sexo é realmente importante, não apenas pela sua relevância óbvia em relação à continuidade da espécie, mas por outros benefícios físicos diretos.
      Abraço!!

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