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sábado, 11 de março de 2017

Fé e falácias

Adão e Eva no Éden (Lucas Cranach de Oude) 
Conhecer nossas origens, as do universo, da vida, tem sido um dos grandes desejos e desafios da humanidade. Ao longo da história diferentes culturas criaram seus mitos cosmogônicos, tanto em Oriente como Ocidente. O judaico-cristão com seus seis dias de criação, Adão e sua costela, cobras falantes, etc., é mais um entre eles e merece o mesmo respeito que as centenas de lendas cosmogônicas que existem ou já existiram. Todas têm sua importância histórica, social e antropológica. Mas elas são apenas lendas sem validade factual.

Com o advento da ciência, umas das mais notáveis conquistas da humanidade, finalmente conseguimos em vez de inventar respostas fabulosas, fazer as perguntas corretas. No caso das nossas origens, o assunto é bem complexo. Não à toa os cientistas o chamam de “hard problem”. Sobre a origem do homem a resposta encontrada por Darwin e Wallace e corroborada em mais de 150 anos de investigação parece ser uma ótima resposta. Somos o produto de um processo evolutivo que se inicia a partir de seres muito simples bilhões de anos atrás. Não encontramos evidência científica de nenhuma inteligência superior guiando a evolução, e sim mecanismos naturais. Sobre a origem da vida e do universo, temos avançado bastante, mas devido à complexidade intrínseca desses assuntos ainda não temos respostas conclusivas.

Para natural desencanto de alguns a ciência não encontrou nada até agora que indique que uma causa primeira, algum tipo de divindade ou coisa parecida tenha dado o pontapé inicial (e proposital) no processo. Mais, boa parte dos mais importantes físicos acreditam, à luz das evidências disponíveis, que o próprio universo pode ter se originado do nada (cuidado! este nada, quântico, não é o nada no qual estamos acostumados a pensar).

Acompanhar e aceitar criticamente as evidências (e as dúvidas) que a ciência nos revela, abandonando crenças primitivas (o que não é sinônimo de abandonar a crença religiosa) não tem relação alguma com ficar -como li dias atrás nesta Folha- “Sem rumo, sem destino. Sem passado sem futuro” (Padre Charles Borg, 26/02/2017). Ao contrário, o conhecimento científico é base do pensamento crítico e pilar do desenvolvimento humano nas almejadas e ainda utópicas sociedades do conhecimento.

Afirmar que “Ao negar a existência de transcendentes propósitos” passaremos a usufruir do que está ao alcance da mão sem nos importar com os limites éticos ou regras civilizatórias, como também li, parece-me um evidente non sequitur. Se precisamos acreditar em fábulas da idade do bronze ou na recompensa ou castigo dos deuses para fazer o que é certo ou deixar de fazer o que é errado, há evidentemente algo de intrinsecamente equivocado em nossa formação moral, e quem sabe a religião tenha muito a ver com essa falha.

Em tempos de triste intolerância, nunca é demais lembrar as palavras do Dalai Lama: “Os códigos morais se dão à margem das religiões. Baseiam-se no senso comum e também na ciência. ”

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