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sábado, 8 de abril de 2017

O neuronegócio

Recentemente duas das principais empresas norte-americanas do ramo da autodenominada “ginástica cerebral” (donas dos programas Lumosity e LearningRx) foram processadas pela Comissão de Comércio dos Estados Unidos (FTC). A acusação, basicamente prometer o que de fato não poderiam cumprir. De acordo com a FTC as empresas "aproveitavam o medo dos consumidores sobre o declínio cognitivo relacionado à idade, sugerindo que seus produtos poderiam evitar a perda de memória, demência e até mesmo o mal de Alzheimer ", sem oferecer base científica conclusiva para respaldar suas afirmações.

O termo “ginástica cognitiva” -ou treinamento cerebral- baseia-se na hipótese de que as habilidades cognitivas podem ser melhoradas mediante exercícios específicos para o cérebro, de uma forma semelhante ao que ocorre com a capacidade física quando praticamos esportes regularmente.

Entretanto, em uma recente revisão sobre o assunto que analisou mais de 130 trabalhos científicos, os autores concluíram que “Ainda não parece existirem provas suficientes para justificar a afirmação de que o treinamento cerebral é uma ferramenta efetiva para melhorar a cognição no mundo real. ” Ainda, “Encontramos evidências sólidas de que o treinamento cerebral melhora o desempenho das tarefas treinadas, menos evidências de que tais intervenções melhoram o desempenho em tarefas estreitamente relacionadas, e pouca evidência de que o treinamento melhora o desempenho em tarefas pouco relacionadas ou o desempenho cognitivo cotidiano”.

Isto significa -de acordo com os resultados desse estudo- que os jogos e treinos cerebrais nos deixam cada vez melhores na execução desses jogos ou treinos, mas a capacidade de transferência dessa melhora cognitiva específica para nosso dia a dia é muito limitada.

Já promessas como “evitar o mal de Alzheimer” são ainda mais temerárias. Até agora não é conhecida nenhuma forma eficaz de deter a destruição que essa doença provoca no cérebro. Alguns doentes, dependendo das suas reservas cognitivas, são capazes de mascarar o aparecimento dos sinais e sintomas por um tempo maior que outros. Não sabemos ainda muito bem qual o real motivo disso, se caraterísticas específicas do cérebro, estilo de vida, educação prévia ou algum outro fator. Não existe truque fácil para conseguir isto e a variabilidade individual de resposta parece ser bastante grande.

Embora não ofereçam risco, se envolver nesses programas demanda gasto de tempo e bastante dinheiro, tempo e dinheiro que poderiam estar sendo utilizados em atividades cognitivas e físicas diversificadas e ao mesmo tempo desafiadoras e agradáveis, que, pelo que sabemos até agora, são de fato capazes de melhorar nossas reservas cognitivas de uma forma bem mais prazerosa.

É possível que num futuro próximo tenhamos respostas mais conclusivas sobre este tipo de treinamento cerebral. Por enquanto -e como sempre- a dica é analisar qualquer promessa mirabolante sobre ganhos cognitivos, na saúde e na doença, de uma forma mais cética. O prefixo “neuro” é uma moda que pode nos custar caro.

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